Conjunto do Padrão dos Descobrimentos foi outra vez pichado

Embora com proporções muito inferiores, acto de vandalismo parece ter partido de activistas, tal como sucedeu em 2021.

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“A nação que matou África, Wakanda4Ever”, pode ler-se na base de uma das esferas armilares que ladeiam a caravela estilizada NFS Nuno Ferreira Santos
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A aguardar classificação como monumento nacional ou imóvel de interesse público, o conjunto escultórico do Padrão dos Descobrimentos foi novamente pichado, como já tinha sucedido há perto de dois anos.

O mais recente acto de vandalismo atingiu não o corpo principal do monumento em forma de caravela estilizada mas a base de uma das esferas armilares que o ladeiam. O teor da inscrição, que ocupa cerca de um metro quadrado de pedra, indica que se poderá tratar novamente de obra de activistas, à semelhança do que sucedeu no Verão de 2021. “A nação que matou África, Wakanda4Ever”, pode agora ler-se.

Wakanda é um país imaginário do universo de banda desenhada Marvel localizado na África subsariana, e Wakanda Para Sempre o nome do mais recente filme sobre o tema. Segundo o presidente da Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural, que gere o monumento municipal, a inscrição terá sido feita na terça-feira. Uma equipa da Polícia Judiciária esteve no local a analisar os vestígios, que aparentam ser bastante mais fáceis de limpar do que os de há dois anos, quer por serem de dimensões muito inferiores quer por causa da tinta usada e do material em que foi aplicado o graffiti.

Entretanto, o Ministério Público português pediu finalmente às autoridades francesas para interrogarem a dupla que a 8 de Agosto de 2021 escreveu em letras garrafais no corpo principal do monumento, em inglês, "Navegando cegamente por dinheiro, a humanidade está a afundar-se num mar vermelho”. Mas só o fez em meados de Março deste ano, mais de ano e meio depois da pichagem, apesar de a identidade de uma das suas autoras, Leila Lakel, ser conhecida da polícia, uma vez que foi a própria a vangloriar-se da proeza nas redes sociais. Nem a estudante nem o namorado, que no meio graffiti assina como Flask e que é suspeito de ter pichado vários outros locais em Lisboa, incluindo os ascensores históricos da Bica, do Lavra e da Glória, foram até agora constituídos arguidos.

Apesar dos insistentes pedidos feitos pela Polícia Judiciária para que fosse emitido um mandado de detenção europeu contra o casal, a procuradora que é titular do processo no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa achou a medida sugerida pelos inspectores desproporcional e demasiado lesiva dos direitos, liberdades e garantias dos suspeitos. E preferiu lançar mão de um mecanismo que dá pelo nome de Decisão Europeia de Investigação, ao abrigo do qual solicitou às autoridades francesas que os constituíssem arguidos e que os interrogassem sobre a sua actividade na capital portuguesa, onde moraram pelo menos durante oito meses, entre Janeiro e Agosto de 2021.

Da autoria do arquitecto Cottinelli Telmo e do escultor Leopoldo de Almeida, o Padrão dos Descobrimentos começou por ser erguido com materiais efémeros para a Exposição do Mundo Português de 1940, tendo, duas décadas mais tarde, sido reconstruído em betão e cantaria. Os valores que representa têm sido alvo de alguma contestação nos últimos anos. Num artigo publicado em 2022, a historiadora de arte Mariana Pinto dos Santos defende, citando outros académicos que também se debruçaram sobre esta temática, que a vandalização “pode ser um acto de protesto que permite precisamente chamar a atenção para um problema, um acto de ‘dissidência cívica’”. E que a destruição de estátuas de ditadores ou das estátuas de figuras da Confederação nos EUA não pode ser posta no mesmo patamar que a destruição dos Budas pelo Daesh, por exemplo.

“Quando nos espaços do quotidiano na cidade permanecem os monumentos e toponímia da configuração do passado ditatorial que celebram o império e as colónias, não só essa celebração anacrónica é um mecanismo de discriminação como sustenta as acepções do senso comum sobre o passado imperial português até aos dias de hoje”, acrescenta.

Para a investigadora, falta uma intervenção exterior permanente no monumento de Belém, que poderia passar por um rebaptismo, à semelhança do que sucedeu com a Ponte Salazar, que passou a Ponte 25 de Abril.

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