Ordem dos Médicos abre inquérito ao caso da grávida que morreu em transferência hospitalar
Bastonário explicou que “sempre que há médicos implicados” e “indícios de má prática” a Ordem dos Médicos é obrigada “a fazer a sua própria avaliação”. Processo remetido ao Conselho Disciplinar.
A Ordem dos Médicos abriu um inquérito à morte de uma grávida que foi transferida do Hospital de Santa Maria para o hospital São Francisco Xavier, para fazer "uma avaliação muito aprofundada e séria daquilo que aconteceu", avançou esta terça-feira à Lusa o seu bastonário.
"A Ordem dos Médicos assim que teve conhecimento que estavam médicos implicados, fez aquela que é a sua função na regulação da profissão médica, que é dar conhecimento ao Conselho Disciplinar da situação e pedido ao Conselho Disciplinar que faça a devida avaliação do caso, tendo em conta o relatório que IGAS [Inspecção-Geral das Actividades em Saúde] anunciou muito recentemente", adiantou o bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes.
O bastonário explicou que "sempre que há médicos implicados" e "indícios de má prática", como diz o relatório da IGAS, a Ordem dos Médicos é obrigada "a fazer a sua própria avaliação", nomeadamente técnica, científica e, sobretudo, disciplinar, para perceber se há aspectos deontológicos que não foram respeitados, uma vez que há um conjunto de médicos que estão envolvidos no processo.
Nesse sentido, o processo foi remetido ao Conselho Disciplinar, que é o órgão competente da Ordem dos Médicos, para fazer "uma avaliação muito aprofundada e séria daquilo que aconteceu".
O relatório aponta cinco erros alegadamente cometidos pela equipa médica do Santa Maria desde que decidiu a transferência da mulher diagnosticada com pré-eclâmpsia para outra unidade de saúde.
O relatório aponta erros ao Hospital Santa Maria, dizendo que não foi seguida a orientação da Direcção-Geral da Saúde, de Julho de 2022, sobre o acompanhamento de mulheres grávidas durante a transferência inter-hospitalar, e adianta que quando a grávida de 30 semanas deu entrada na urgência ginecológica e obstétrica do Hospital Santa Maria, em 23 de Agosto, o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (CHULN) ainda não tinha actualizado o seu regulamento à luz da nova orientação das autoridades de saúde.
A IGAS diz igualmente que o transporte não teria de ser equacionado porque, afinal, havia cama para o recém-nascido no Santa Maria. A equipa médica do hospital refuta ponto por ponto as acusações contidas no relatório da IGAS. Em relação à existência de vaga na neonatologia explica que havia duas camas que iam ser ocupadas pelos bebés de uma mulher que estava já em trabalho de parto gemelar.
O Ministério da Saúde e o Hospital de Santa Maria confirmaram no dia 9 de Junho que tinham recebido relatório da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde.
"Tendo o relatório da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) sido enviado para o Ministério Público, o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte respeitará os trâmites judiciais e não comentará nesta fase as suas conclusões, que, como expresso no documento, foram alvo de devido contraditório nos prazos previstos no processo", adiantou o CHULN em comunicado.
O caso remonta ao final de Agosto de 2022, quando a grávida, durante a viagem de transferência entre hospitais, sofreu uma paragem cardiorrespiratória, tendo sido realizados trabalhos de reanimação no transporte.
Segundo um comunicado do CHULN divulgado na altura, já no Hospital São Francisco Xavier a grávida foi "submetida a uma cesariana urgente", tendo o recém-nascido ido para a unidade de cuidados intensivos neonatais, enquanto a mãe "ficou internada nos cuidados intensivos, vindo a falecer".
Este caso levou à demissão da anterior ministra da Saúde, Marta Temido, que justificou a sua saída com "a circunstância de ter acontecido um episódio que, não tendo directa relação com o desempenho assistencial do SNS, era um episódio de uma gravidade tal que era necessário que houvesse uma responsabilização".