Assessor de Bolsonaro trocou mensagens com planos para um golpe de Estado

No telemóvel de Mauro Cid estavam mensagens de oficiais das Forças Armadas em que se pedia uma intervenção militar para reverter o resultado das eleições ganhas por Lula.

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O tenente-coronel Mauro Cid Barbosa com o ex-Presidente Jair Bolsonaro, de quem foi ajudante de ordens Adriano Machado/REUTERS
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A Polícia Federal (PF) brasileira encontrou várias mensagens no telemóvel de um dos assessores mais próximos do ex-Presidente Jair Bolsonaro, que detalhavam os planos para um potencial golpe de Estado com apoio do Exército. A defesa do ex-chefe de Estado diz que Bolsonaro nada tinha a ver com essas discussões.

O conteúdo do telemóvel do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid Barbosa, foi divulgado em primeira mão pela revista Veja na sexta-feira, mas o juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, decidiu levantar o segredo de justiça e tornou públicas as mensagens.

São várias as conversas entre Cid e oficiais do Exército, tanto no activo como na reserva, em que são delineados planos para desencadear uma intervenção das Forças Armadas para reverter o resultado das eleições vencidas por Lula da Silva. O ajudante de ordens chega a enviar para si próprio, como backup, um documento em que é detalhada a forma como poderia ser declarado um “estado de sítio” contra o “activismo judicial” do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O documento segue as mesmas linhas argumentativas de um esboço de um decreto presidencial que foi encontrado durante buscas à casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, no início do ano. O decreto, que não estava assinado, permitia a instauração do estado de defesa na sede do TSE, o que poderia ser interpretado como uma forma de reverter o processo eleitoral.

Cid recebeu ainda mensagens de um coronel do Exército em que é pedido de forma insistente que Bolsonaro peça uma intervenção militar. “Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele [Bolsonaro] dê a ordem que o povo está com ele, cara”, disse o coronel Jean Lawand Júnior numa mensagem gravada. O militar tinha sido nomeado para a representação diplomática brasileira nos EUA, mas a chefia do Exército reverteu a decisão depois de serem conhecidas as mensagens.

Nas mensagens recebidas por Cid estão também desenvolvimentos teóricos do jurista Ives Gandra Martins que dão suporte à tese da intervenção das Forças Armadas na eventualidade de uma crise institucional. Em resposta ao site de informação UOL, o professor universitário demarcou-se de qualquer responsabilidade pela propagação de ideias golpistas e esclareceu que o seu trabalho sobre o tema foi desenvolvido em 2017.

Os advogados de Bolsonaro dizem que as mensagens mostram que o ex-Presidente não tinha qualquer participação nas discussões sobre um suposto golpe de Estado e desvalorizam o seu teor. O telemóvel de Cid, por ser alguém muito próximo de Bolsonaro e com acesso à gestão da agenda presidencial, transformou-se “numa simples caixa de correspondência que registava as mais diversas lamentações” dos seus apoiantes, afirma a defesa do ex-chefe de Estado.

Cid está também implicado na investigação à alegada falsificação do boletim de vacinas de Bolsonaro que, segundo a PF, poderá ter incluído um certificado falso de vacinação contra a covid-19 para que o ex-Presidente pudesse viajar para os EUA.

Durante vários meses que antecederam as eleições presidenciais, Bolsonaro propagou em muitas ocasiões a tese falsa de que o sistema de voto electrónico era vulnerável a ataques e, por isso, o resultado das eleições poderia ser manipulado. Depois de ser derrotado na segunda volta por Lula, Bolsonaro manteve-se em silêncio até reconhecer relutantemente o resultado e, na véspera da tomada de posse, viajou para os EUA, evitando entregar a faixa presidencial ao seu sucessor.

Uma semana depois, centenas de apoiantes de Bolsonaro invadiram e vandalizaram as sedes dos três poderes, em Brasília: o Congresso, o STF e o Palácio do Planalto. Grande parte havia passado os últimos três meses em acampamentos em várias cidades brasileiras próximos de quartéis do Exército, como forma de pressão sobre os militares para que impedissem a tomada de posse de Lula.

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