O El Niño chegou: será ”super” ou não? — eis a questão

Após três anos do padrão climático La Niña, que frequentemente faz baixar ligeiramente as temperaturas globais, o El Niño, mais quente, está de volta, anunciou a NOAA.

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O El Niño ocorre no Oceano Pacífico tropical aproximadamente de cinco em cinco anos e afecta os sistemas meteorológicos em todo o mundo Ilustração JUAN GAERTNER/GettyImages
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Preparados ou não, aqui vamos nós. O El Niño está oficialmente no terreno e é provável que tenha impacto nas condições climatéricas extremas no final do ano, tais como ciclones tropicais que se dirigem para as vulneráveis ilhas do Pacífico, chuvas fortes na América do Sul e secas na Austrália.

Após três anos do padrão climático La Niña, que frequentemente faz baixar ligeiramente as temperaturas globais, o El Niño, mais quente, está de volta, de acordo com um aviso emitido na quinta-feira pelo Centro de Previsão Climática da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOOA, na sigla em inglês).

O El Niño nasce de águas invulgarmente quentes no Pacífico oriental, perto da costa da América do Sul, e é frequentemente acompanhado por um abrandamento ou inversão dos ventos alísios de Leste.

“Em Maio, surgiram condições fracas de El Niño, com o reforço das temperaturas da superfície do mar acima da média em todo o Oceano Pacífico equatorial”, refere o comunicado. A última vez que se registou um El Niño, em 2016, o mundo assistiu ao ano mais quente de que há registo. Juntamente com o aquecimento provocado pelas alterações climáticas, 2023 ou 2024 poderão atingir novos máximos.

O El Niño provavelmente fará de 2024 o ano mais quente já registado, isso se 2023 não bater o recorde antes. É mais um empurrão para levar o planeta além do marco de um aumento de temperatura média superior a 1,5° graus Celsius.

Alguns cientistas prevêem que o fenómeno ganhe uma força moderada até ao final de 2023, existindo ainda a possibilidade de este evento se traduzir num aumento da temperatura média na ordem dos 2 graus Celsius no seu pico. Isso significaria que o mundo seria afectado por um “super-El Niño”.

Quando começa o “reinado” do El Niño?

A maioria dos especialistas recorre a duas agências para confirmar o início do El Niño — a NOAA e o Gabinete de Meteorologia da Austrália (BOM). As duas agências utilizam avaliações diferentes para declarar o El Niño, sendo a definição australiana ligeiramente mais rigorosa.

A NOAA considera que existe um El Niño quando as temperaturas oceânicas no Pacífico equatorial oriental e central estão 0,5 Celsius (0,9 Fahrenheit) mais elevadas do que o normal no mês anterior e se prolongaram ou se prevê que se prolonguem por mais cinco períodos consecutivos de três meses sobrepostos. A agência também considera um enfraquecimento dos ventos alísios e da cobertura de nuvens.

No início de Maio, a Organização das Nações Unidas (ONU) alertou para a probabilidade de o fenómeno climático El Niño se formar este ano, elevando as temperaturas a novos recordes. A Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência especializada da ONU, estimava que havia 60% de hipóteses de o El Niño se formar até o final de Julho e 80% até o final de Setembro. Não era o primeiro aviso.

Os repetidos avisos

Desde o início deste ano, e até antes disso, que os alertas sobre o efeito El Niño se fazem ouvir. Um dos primeiros chegou do Met Office, a agência meteorológica britânica, que, sem meios-termos, dizia já em Dezembro que o ano de 2023 poderá ser um dos mais quentes desde que há registo. Nessa altura, a notícia do Azul já referia que a temperatura média global poderá ser entre 1,08 e 1,32 graus Celsius acima dos valores registados antes da Revolução Industrial. Isto porque o fenómeno La Niña, que tem vigorado nos últimos anos, está a extinguir-se, explicava-se.

Em Janeiro, uma equipa de investigadores do Instituto Internacional de Investigação do Clima e Sociedade da Universidade de Colúmbia fazia um novo aviso e avançava com a previsão: o regresso do padrão climático El Niño pela primeira vez desde 2019, o que traria uma onda de calor a um planeta já sobreaquecido. Após três anos de um persistente padrão de arrefecimento com La Niña a influenciar o clima em todo o mundo, prevê-se que esse regime se desvaneça nos próximos meses.

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O El Niño vai aumentar a temperatura em 2023 e 2024 Uma Shankar sharma/GettyImages

Em Abril, o serviço Nacional de Meteorologia (SNM) dos Estados Unidos emitiu um estado de vigilância em relação ao fenómeno climático El Niño, depois de os cientistas terem observado os primeiros sinais do padrão climático conhecido por aumentar as temperaturas globais.

No mesmo mês de Abril, há pouco mais de duas semanas, os responsáveis pelo Serviço de Alterações Climáticas do programa europeu Copérnico juntavam-se ao coro. Os especialistas confirmavam desta vez que os modelos climáticos sugerem que, após três anos do padrão climático de La Niña no oceano Pacífico, o mundo irá experimentar um regresso ao El Niño, no final deste ano.

Durante a influência de El Niño, os ventos que sopram para oeste ao longo do equador abrandam e a água quente é empurrada para leste, criando temperaturas oceânicas de superfície mais quentes. “El Niño está normalmente associado a temperaturas recordes a nível global. Ainda não se sabe se isto irá acontecer em 2023 ou 2024”, disse Carlo Buontempo, director do Serviço de Alterações Climáticas do programa europeu Copérnico.

Quando se espera o pico?

A Oscilação Sul do El Niño, ou ENSO, como também é chamada, tem três fases diferentes: quente, fria ou neutra. A fase quente, chamada El Niño, ocorre a cada dois a sete anos e vê as águas quentes virem à superfície na costa da América do Sul e espalharem-se pelo oceano, empurrando quantidades significativas de calor para a atmosfera.

Anos quentes recordes, incluindo 2016, o mais quente já registado no mundo, geralmente acontecem no ano seguinte a um poderoso evento El Niño.

Muitos cientistas acreditam que o evento que começa este ano tem 84% de hipóteses de exceder a força moderada até ao final de 2023, e também estimam que existe a probabilidade (uma em quatro) de este evento ultrapassar um aumento da temperatura média na ordem dos 2 graus Celsius no seu pico, o que significaria entrar no território de um “super-El Niño”.

O Gabinete de Meteorologia da Austrália precisa de um cenário mais quente para declarar o domínio deste fenómeno, com as regiões-chave do Pacífico oriental 0,8C (1,5F) mais quentes do que a média. Na terça-feira, a Austrália emitiu o seu próprio boletim, assinalando uma probabilidade de 70% de desenvolvimento do El Niño este ano.

Segundo a NOAA, há 56% de probabilidades de o El Niño atingir o seu pico de intensidade — normalmente durante o Inverno no hemisfério Norte —, o que significa que as temperaturas à superfície do mar no Pacífico oriental serão, pelo menos, 1,5ºC mais elevadas do que o normal.

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El Nino provoca geralmente condições mais secas na Austrália e no Sudeste Asiático S.Piyaset

Duas versões do El Niño

Os impactos variam e os El Niños têm “duas versões”, afirma a cientista atmosférica Marybeth Arcodia, da Universidade do Estado do Colorado (EUA).

Os que têm as suas águas mais quentes perto da costa Oeste da América do Sul são considerados eventos do Pacífico oriental, como o forte El Niño de 1997-98. O outro surge no Pacífico central, perto do equador em torno do Havai, como foi o caso do mais recente evento de 2015-16.

As anomalias meteorológicas podem ser mais extremas consoante o local onde as águas são mais quentes, tornando as coisas mais secas ou mais húmidas em determinadas regiões. Alguns modelos de previsão prevêem que o Inverno de 2023-24 será um El Niño do Pacífico central.

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El Niño pode também trazer ciclones tropicais nas vulneráveis ilhas do Pacífico e chuvas fortes na América do Sul Marcos Sanchez

Que estragos pode fazer?

Muitos. Além de um aumento de temperatura das águas, o fenómeno poderá manifestar-se através de secas, ciclones, ondas de calor e incêndios. O fenómeno meteorológico natural, que normalmente dura entre nove meses e um ano, perturba os padrões típicos de chuva e temperatura e, em determinados locais, pode criar condições extremas, como secas ou chuva excepcionalmente intensas.

Friederike Otto, professora do Instituto Grantham do Imperial College de Londres, disse que as temperaturas do El Niño poderiam agravar os impactos das alterações climáticas que os países já estão a sofrer — incluindo graves ondas de calor, secas e incêndios.

“Se o El Niño se desenvolver, há uma boa hipótese de 2023 ser ainda mais quente do que 2016 — considerando que o mundo tem continuado a aquecer à medida que os humanos continuam a queimar combustíveis fósseis”, disse Otto.

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Há uma boa hipótese de 2023 ser mais quente do que 2016 GettyImages

O fenómeno deve afectar o clima mundial, podendo levar, por exemplo, uma preocupante seca para a Austrália, mais chuva para o Sul dos Estados Unidos e enfraquecer as monções da Índia. O evento provavelmente durará até a próxima Primavera.

Agricultura será uma das maiores vítimas

As alterações climáticas criadas pelo El Niño podem ser prejudiciais para várias culturas, como a do café, atingindo áreas que já estão a ser muito afectadas pelas alterações climáticas.

Os primeiros sinais de tempo quente e seco provocados pelo El Niño já estão a ameaçar os produtores de alimentos em toda a Ásia, enquanto os produtores americanos contam com chuvas de Verão mais intensas provocadas pelo fenómeno meteorológico para aliviar o impacto de uma seca grave.

O El Niño poderá levar a que a produção das culturas de Inverno caia 34% em relação aos máximos históricos na Austrália, afectando igualmente a produção de óleo de palma e de arroz na Indonésia, Malásia — que fornece 80% do óleo de palma mundial — e Tailândia.

Na Índia, um país que depende em grande medida das chuvas de monção para as suas colheitas de Verão, os impactos do El Niño poderão ser compensados pelo Dipolo do Oceano Índico (IOD, na sigla em inglês) ou Niño Índico. Este fenómeno pode ser responsável pela variação da precipitação da Austrália e da Indonésia, bem como pela intensidade das monções na Índia, embora se preveja uma precipitação abaixo do normal nas regiões do Noroeste do país.