PS defende Governo nos certificados de aforro: os juros também são “despesa pública”
Líder parlamentar socialista justifica descida da remuneração com o facto de a tendência de médio/longo prazo da inflação ser de 2% e recorda que investimento é de baixo risco.
Depois da chuva de críticas da maior parte dos partidos da oposição durante o fim-de-semana sobre as alterações súbitas na subscrição dos certificados de aforro, com a redução da taxa de juro máxima de 3,5% para 2,5% e a abertura da comercialização a todos os bancos, o PS vem agora defender a estratégia do Governo. Com um argumento ao jeito da "política de contas certas".
O líder parlamentar socialista, Eurico Brilhante Dias, realça que “os juros dos certificados de aforro são despesa pública, aliás, como o conjunto dos juros dos outros instrumentos de financiamento da dívida pública”, pelo que “faz sentido este ajustamento” da taxa de remuneração dos certificados, sobretudo quando o objectivo de médio/longo prazo da inflação é de 2% e os certificados são um investimento de longo prazo. Como a remuneração máxima é de 2,5%, a poupança ainda “conserva algum poder aquisitivo”, argumenta.
"O IGCP, que gere a dívida pública, deve ter alguma racionalidade: pagar juros pela dívida emitida que estejam de acordo com parâmetros, não só de sustentabilidade, mas também de mercado. É ridículo estarmos a pedir ao Estado para pagar mais juros", salienta, lembrando que quantos mais juros se pagarem, mais cresce a dívida pública.
O dirigente socialista acrescenta que se trata de um "instrumento seguro" - aqueles que são normalmente remunerados com juros mais baixos pela banca em geral -, porque tem "o risco da República". E sobre a redução do limite máximo para esta série para os 50 mil euros, Brilhante Dias não vê nisso grande problema para o "perfil da poupança portuguesa", lembrando que, "infelizmente", o salário médio é de 1300 a 1400 euros. Apesar da redução para um quinto do limite de subscrição nesta nova série F dos certificados de aforro, os clientes que já tenham os certificados da série E, que terminou na sexta-feira, podem ir até aos 250 mil euros.
Brilhante Dias recusa que se possa extrair do timing do anúncio qualquer submissão aos interesses dos bancos, como criticaram PCP e Bloco. E diz que o facto de os restantes bancos poderem passar a vender certificados de aforro deverá levá-los a responder ao pedido de um "esforçozinho" feito no sábado pelo Presidente da República. Esse aumento das taxas de juro pagas pelos bancos aos depósitos a prazo "é uma trajectória que já começou, com a remuneração média a passar ligeiramente de 1%, mas é evidente que estamos muito longe dos valores de outros mercados da zona euro e do que os bancos estão a cobrar aos portugueses".
"Esse ajustamento do lado da oferta é necessário", defende o socialista, e os reguladores - quer o BCE quer o Banco de Portugal - "devem estar particularmente atentos".
"Percepção de injustiça"
Mas nem todos os socialistas afinam pelo mesmo diapasão. Para a deputada e ex-ministra socialista Alexandra Leitão, a medida pode contribuir para uma "percepção de injustiça" por parte da classe média. Por ser aquela que "não é suficientemente pobre para receber um conjunto de apoios, mas também não é assim tão rica que possa passar incólume pelas situações", argumentou em declarações à CNN Portugal.
A socialista Ana Gomes mostrou-se crítica da decisão das Finanças pelas mesmas razões. E considerou que houve "claramente uma cedência aos bancos", que andavam a defender uma medida deste género "baixinho e alto". A antiga eurodeputada realçou que os dados mais recentes mostram que na Europa a remuneração média dos depósitos bancários é de 2,11% e em Portugal de apenas 0,9%.
"O Governo não se livra da imagem de ter andado a toque de caixa dos bancos", apontou no seu espaço de comentário na SIC Notícias, identificando também "falhas da regulação" por parte do Banco de Portugal, da Autoridade da Concorrência e do executivo, que não intervêm no cenário de baixas remunerações pelos depósitos e altas comissões e taxas de juros nos serviços e créditos que concedem.
O argumento do ataque à classe média foi também usado pelo vice-presidente social-democrata António Leitão Amaro: "O Governo está a acabar com a classe média em Portugal. Depois de a esmagar com impostos recorde, agora desvaloriza um dos principais instrumentos de poupança."
O liberal Rui Rocha admitiu que há um problema de incapacidade de poupança em Portugal e que é necessário lançar novos instrumentos que sejam mais competitivos - e prometeu fazer propostas no próximo Orçamento do Estado.
O PCP, o Bloco e o Chega já anunciaram requerimentos para ouvir o Ministério das Finanças no Parlamento sobre esta medida.