Secretário de Estado da Agricultura: “O clima não nos deixa mentir”

A seca severa e extrema já atinge 40% do território, mas a estratégia para regadio só estará pronta “no pós-Verão”, assume Gonçalo Rodrigues. A escassez de água já é “um problema estrutural”, admite.

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Gonçalo Rodrigues, secretário de Estado da Agricultura, tomou posse em Fevereiro deste ano Nuno Ferreira Santos
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Portugal e Espanha têm “uma escassez estrutural de água”, assume o secretário de Estado da Agricultura, na sequência da decisão dos ministros da Agricultura de Portugal e de Espanha de pedirem a Bruxelas a activação do fundo de reserva de crise da Política Agrícola Comum (PAC) para fazer face à seca.

À margem de um seminário sobre a utilização da água na agricultura, no Algarve, Gonçalo Rodrigues falou ao PÚBLICO sobre o pedido do Governo para “um pacote de auxílios, de ajudas” da União Europeia para “apoio directo” à agricultura e à pecuária. O governante admite que "podemos ter que rever aquilo que é a declaração de seca". Disse ainda que o Livro Branco do Regadio Público que vai definir a estratégia futura do país deve ser um processo participado e só deverá ser apresentado depois do Verão.

Portugal e Espanha enviaram “um pedido expresso” a Bruxelas para activar a reserva de 400 milhões de euros da Política Agrícola Comum (PAC) por causa da seca. De que tipo de ajuda é que os dois países precisam?
Estamos a tentar negociar junto da Comissão [Europeia] a criação de medidas extraordinárias — porque situações extraordinárias assim o requerem —, na tentativa de poder activar a reserva agrícola, na procura de apoios directos à agricultura, seja pelo reforço às ajudas [directas], seja por outras medidas extraordinárias que tentem mitigar os efeitos da seca.

Tanto Portugal como Espanha têm igual proporção de território afectado, estão a enfrentar exactamente os mesmos desafios, que é uma escassez de água, mas que já não é apenas uma escassez conjuntural, já é uma escassez estrutural. Por isso, é necessário reflectir um pouco mais.

O Ministério da Agricultura fala em activar a reserva agrícola da PAC. Estamos a falar de quê, em concreto?
São apoios extraordinários reservados para estas situações extraordinárias, na tentativa de negociar um pacote de auxílios, de ajudas, de medidas, permitindo de alguma maneira trazer um apoio directo aos agricultores para colmatar estes impactos que se têm verificado, tanto no sector agrícola quanto no sector pecuário.

Falam de medidas urgentes. Qual é o timing da sua aplicação?
Tentaremos que sejam tão urgentes quanto necessário. No próximo dia 30 vamos ter a reunião do Agrifish [Conselho de Ministros da Agricultura e Pescas da UE], onde tanto a ministra [Maria do Céu Antunes] como o ministro espanhol [Luís Planas Puchades] irão demonstrar esta necessidade e fundamentar a urgência desta tomada de posição e destas medidas. E tentaremos chegar o mais depressa possível ao encontro de soluções.

Estamos a falar de medidas de ajuda e de aplicação imediata aos agricultores para mitigar os efeitos da seca?
Exactamente. Parte delas passa por aquilo que são derrogações no quadro actual, outras passam pela alteração daquilo que são as medidas de ajuda directa ou das medidas de investimento, através de um reforço no imediato, e outras ainda são medidas mais de carácter estrutural, de resiliência e de combate a esta escassez recorrente.

No que diz respeito a Portugal, há algum pacote financeiro mínimo que o Governo gostasse de ver aprovado?
Não. Ainda estamos a discutir e a ponderar o que é efectivamente necessário, até porque o clima não nos deixa mentir e a meteorologia também não nos deixa estar enganados. Podemos ter de rever aquilo que é a declaração de seca actual, porque o território está sob uma pressão constante e ainda estamos a delinear as medidas necessárias para dar resposta àquilo que são as necessidades do sector.

O Governo lançou recentemente o Livro Branco do Regadio Público. Não considera que vem tarde, tendo em conta que os avisos para as alterações climáticas e para a escassez de água são de há muitos anos? Porquê só agora?
Porque vem numa continuidade do trabalho conjunto que tem sido feito há longa data. O que se pretende com o Livro Branco é reunir o sector [agrícola] e os agentes do território e, de alguma forma, encontrar medidas que permitam conviver com este regime de escassez recorrente, dando seguimento àquilo que já é a Estratégia Nacional [para o Regadio Público] e àquilo que também é o estudo Regadio 20

30.

O objectivo é a procura de soluções que sejam optimizadas e que permitam, por um lado, garantir maior disponibilidade de água e, por outro, optimizar os consumos agrícolas. E sempre em conjunto com os outros consumidores, sejam eles urbanos ou industriais, na tentativa de encontrarmos um caminho que, a prazo, nos permita ser muito mais resilientes do que aquilo que somos hoje, quer por uma questão do ponto de vista da governação, quer por uma questão do ponto de vista de fontes alternativas de água. E ainda que passe por uma revisão daquilo que são as nossas disponibilidades, uma melhoria no apoio aos agricultores, um sistema tarifário mais justo, que promova práticas culturais mais eficientes. Portanto, de uma forma muito global, queremos dar caminho àquilo que já foi o percurso percorrido e tentar chegar a medidas muito mais optimizadas.

Portanto, o Livro Branco do Regadio ainda vai recolher mais contributos?
Exactamente, pretendemos ouvir quem precisa das medidas, quem padece dos males para que, de uma forma muito concreta e muito objectiva, se consiga identificar os caminhos que temos de seguir, os problemas que existem, as soluções que porventura se queiram encontrar. E pretende-se também, em determinada fase, reunirmo-nos com a academia para eles contribuírem com aquilo que é o state of the art da tecnologia para o uso mais eficiente dos recursos hídricos. E, depois, prosseguir com o processo legislativo, na procura de soluções óptimas para este problema continuado.

O Ministério da Agricultura tem sido acusado por algumas organizações do sector de falta de diálogo...
Não é verdade que haja falta de diálogo. Muito ao contrário. Nós estamos sempre muito juntos do sector e isto é mais um exemplo daquilo que é a proximidade que o Ministério da Agricultura e Alimentação tem com os actores dos agentes do território, sempre na procura de soluções conjuntas. O ministério trabalha para o sector e quer estar em permanente diálogo na tentativa de encontrar uns pontos comuns e percorrermos este caminho em conjunto.

Qual é então o calendário do Livro Branco do Regadio?
Pretende-se que agora, até ao fim de Julho, se consigam reunir todos os contributos junto do sector, para depois conseguirmos agregar a informação, podermos analisar aquilo que foi a visão plena regional — porque já estão a decorrer e vão decorrer ainda mais reuniões a nível regional. Depois, no pós-verão, idealmente em Setembro, esperamos dar por concluída a tarefa e poder ser colocado à discussão pública este nosso Livro Branco para o regadio.