Cidades-esponjas? Espaços verdes? Podemos chamar os jardins pelos nomes
Neste 25 de Maio, celebra-se pela primeira vez o Dia Nacional dos Jardins, instituído graças ao esforço de alunos de Portimão que escolheram a data do aniversário do arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles.
Tudo começou numa aula de Carlos Café, professor de Filosofia da turma 10.º L da Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes, em Portimão. “Olhem, este senhor foi um herói”, desabafou o docente numa aula de Educação para a Cidadania, poucos dias depois da morte de Gonçalo Ribeiro Telles, em Novembro de 2020. Descrevendo o arquitecto paisagista como um visionário, Carlos Café aproveitou para inspirar a turma com um pouco de música: Heroes, de David Bowie. “We can be heroes/ just for one day”, entoava a canção.
Deixou então o desafio aos alunos: e se vocês pudessem ser heróis pela natureza, como foi Ribeiro Telles? A jovem Verónica Gambôa, que participou no projecto, conta que ela e os colegas ficaram surpreendidos: “Há dias de tudo e não há o dia dos jardins?” Puseram mãos à obra e pouco depois partiam para o parque da Piscina Atlântica, no aldeamento da Prainha, obra marcante do célebre arquitecto paisagista, para gravar um vídeo de divulgação do projecto.
O resultado: uma petição que chegou à Assembleia da República e motivou a aprovação, no final do ano passado, do Dia Nacional dos Jardins, que se celebra pela primeira vez neste 25 de Maio, dia do nascimento de Ribeiro Telles. “Olhando para trás, não fizemos nada de especial, mas depois teve um impacto grande”, reconhece a aluna do então 10.º L, hoje prestes a fazer exames do 12.º ano. “Na altura, não pareceu tão importante o que estávamos a fazer como realmente foi...”
Como em tantas outras efemérides, cabe a pergunta: para que serve um Dia Nacional dos Jardins? “Numa situação ideal, talvez não fosse tão necessário, mas infelizmente talvez precisemos de um dia nacional dos jardins”, diz Aurora Carapinha, arquitecta paisagista, docente na Universidade de Évora e uma das discípulas de Ribeiro Telles. Aliás, como acontece com tantas outras causas, “todos os dias têm que ser dias dos jardins”.
Para Aurora Carapinha, é uma efeméride “muito importante pela forma como nasceu”, com o entusiasmo de um grupo de adolescentes, trazendo um “horizonte de esperança”. “Só por isso acho que há que respeitar, a comunidade deve pegar nesta ideia e dar-lhe o caminho certo — e a comunidade somos todos nós, não só os decisores políticos.” “Não é mais um dia para pôr no calendário. É um dia de discussão da importância do jardim enquanto espaço de sociabilidade, de igualdade, de representação da nossa relação com seres vivos”, defende a arquitecta paisagista. “Um jardim é sempre um dispositivo para viver melhor.”
Paulo Farinha Marques, docente na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), reforça também a importância de recordar o trabalho de Gonçalo Ribeiro Telles, o arquitecto paisagista que “corporizou esta ideia do jardim público para todos, que atinge o seu auge no Jardim da Gulbenkian”. Do seu legado fica a defesa de uma “estrutura verde urbana”, baseada numa rede de parques e jardins, que são “as bases para a qualidade de vida e para o sucesso das sociedades”. O jardim pode ser visto, em última análise, como um lugar que “é síntese de todas estas coisas”.
O que é um jardim?
Aurora Carapinha descreve os jardins como pertencendo “ao leque das construções humanas mais inteligente, onde se conseguiu construir um espaço de equilíbrio entre natureza e cultura”. Recorda as palavras de Gonçalo Ribeiro Telles de que “o jardim funciona como um laboratório de criar paisagens de felicidade equilibradas ecológica e socialmente”.
A necessidade de construir jardins nasceu há milénios, quando a humanidade se sedentarizou, mas em particular nas últimas cinco décadas “a urbanização foi tal que nos afastamos do mundo vivo, com a nossa progressiva concentração nas cidades”, descreve Paulo Farinha Marques. “Estamos metidos em gaiolas, em ambientes que construímos, e foi-se perdendo de vista essa “óbvia necessidade”, descreve o arquitecto paisagista, mas ela continua a existir: “Precisamos de ar, de água, de comida, da beleza das coisas.”
Para Paulo Marques, o acesso ao jardim — um espaço verde livre para todos — “é quase um direito da existência humana”. Recorda o período inicial de actividade política de Ribeiro Telles, quando fez parte do que na altura se chamava Ministério da Qualidade de Vida, tutelando áreas equivalentes ao que hoje se poderia chamar “sustentabilidade”. “A qualidade de vida era vista como um direito do ser humano”, explica o investigador da FCUP, “no sentido de ser aquilo que nos mantém dignos enquanto seres”. E vai ainda mais longe: é preciso lutar para que o acesso a espaços verdes “seja para todos”, tal como a saúde, a educação, a segurança social.
Desenhar um jardim, descreve Aurora Carapinha, “é criar, a partir do acto criativo que é próprio da humanidade, um espaço prazeroso”, trabalhando a luz, os sons, os aromas, numa exaltação da natureza com uma forte marca de cada cultura. “Um jardim é uma construção virada para os nossos sentidos — os cinco sentidos — e para uma dimensão emotiva e contemplativa.”
Gerir notificações
Estes são os autores e tópicos que escolheu seguir. Pode activar ou desactivar as notificações.
Gerir notificações
Receba notificações quando publicamos um texto deste autor ou sobre os temas deste artigo.
Estes são os autores e tópicos que escolheu seguir. Pode activar ou desactivar as notificações.
Notificações bloqueadas
Para permitir notificações, siga as instruções:
Leia sem limites
Registe-se para continuar a ler o Azul sem limites. Os parceiros do Azul oferecem-lhe o acesso aos temas de ambiente, crise climática e sustentabilidade.
Os conteúdos produzidos pelo Azul são de acesso livre porque temos o apoio dos nossos parceiros
Comentários
Últimas publicações
Tópicos disponíveis
Escolha um dos seguintes tópicos para criar um grupo no Fórum Público.
Tópicos