Futebol espanhol soma casos de racismo. “Não acontece nada”, queixam-se jogadores

Antes de Vinícius, vários outros jogadores registaram discriminação durante jogos da La Liga. Há casos em que os insultos racistas partiram dos adeptos do próprio clube ou de treinadores.

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Vinícius Júnior denunciou insultos racistas no jogo frente ao Valência EPA/Kai FORSTERLING
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O caso de Vinícius Júnior é apenas mais um numa longa lista de jogadores acossados por insultos e cânticos racistas. Mas foi precisamente para não ser apenas mais um que o avançado do Real Madrid decidiu tomar uma atitude: não ignorou os adeptos e, apontando para a bancada do estádio do Valência, identificou a origem dos insultos. Os protestos valeram-lhe a expulsão, num caso que está a fazer correr muita tinta em Espanha, um país que soma casos de racismo no escalão cimeiro do futebol. "O campeonato que já foi de Ronaldinho, Ronaldo, Cristiano e Messi hoje é dos racistas", disse o jogador brasileiro.

A identificação dos adeptos que o insultaram por parte de Vinícius Jr. permitiu às autoridades policiais deter três jovens com idades entre os 18 e os 21 anos por suspeita de terem proferido insultos racistas contra o futebolista brasileiro. O trio, contudo, foi libertado depois de ter prestado declarações, embora tenha sido informado pela polícia de que poderá voltar a ser chamado para prestar mais declarações.

Mas antes deste caso, outros marcaram o futebol espanhol. Em 2006, num jogo que opôs o Barcelona ao Saragoça, o camaronês Samuel Eto'o fartou-se dos insultos racistas vindos da bancada, agarrou na bola e começou a dirigir-se para os balneários. O jogador "blaugrana" era um dos alvos preferenciais dos insultos racistas quando o Barcelona jogava noutros estádios. Entre lágrimas, tentava ultrapassar o bloqueio feito pelo árbitro e colegas de equipa, que tentavam a todo custo que o camaronês permanecesse em jogo. Com os olhos lacrimejantes, dizia apenas: "Já chega."

Um dos melhores jogadores do mundo era provocado pelos adeptos do Saragoça com sons de macaco. Um gesto abjecto que, no caso do guarda-redes Carlos Kameni, era perpetrado pelos adeptos da própria equipa. O guardião camaronês do Espanyol era atingido por bananas arremessadas pela própria claque durante os jogos em "casa", ouvindo constantemente insultos racistas durante o jogo. "Kameni! Sai daqui, sai daqui! Agora vai à imprensa e diz-lhes que isto é racismo. És um filho da puta! Quer sejas preto ou laranja", podia ouvir-se das bancadas, num vídeo captado pela cadeia norte-americana ESPN. As palavras eram dirigidas por um dos responsáveis da claque do emblema catalão – sem a cara tapada e perfeitamente identificável pelas autoridades –, utilizando um megafone para espalhar a mensagem de ódio por todo o estádio.

No início do século XXI, eram comuns os incidentes em que os grupos organizados exibiam elementos ligados à extrema-direita, desde suásticas às cruzes celtas. Saudações nazis eram recorrentes em muitos outros estádios, comportamento replicado também em Itália pelos ultras ​e noutras zonas do continente europeu. Portugal não foi imune ao problema: na década de 1980 e 1990, símbolos de ódio eram exibidos pelos skinheads de grupos organizados de adeptos.

Daniel Alves lançou movimento

Um dos jogadores mais afectados pelos insultos racistas em Espanha foi o brasileiro Roberto Carlos. De tarjas a cânticos, o "galáctico" era um dos principais alvos nas deslocações do Real Madrid. Esta segunda-feira, em reacção ao caso de Vinícius Júnior, escreveu no Twitter: "Este problema tem muitos anos, amigos, não nos enganemos que não passa nada."

Daniel Alves, antigo lateral do Barcelona a ser julgado num caso de agressão sexual, também foi vítima de actos racistas, mas a atitude descontraída com que lidou com o tema valeu-lhe elogios rasgados e lançou um movimento anti-racismo. Em 2014, durante uma deslocação do Barça ao Espanyol, adeptos rivais lançaram bananas para o relvado enquanto o lateral se preparava para bater um canto. Sem hesitar, o jogador descascou a banana, comeu-a e prosseguiu o jogo. O incidente, captado pelas câmaras de televisão que transmitiram a partida da La Liga, iniciou o movimento "Somos todos macacos", que contou com a participação de centenas de figuras públicas ligadas aos mais variados sectores.

Mas os insultos não viriam só de adeptos: em 2004, o então seleccionador espanhol Luís Aragonés foi apanhado pelos microfones durante o estágio a tratar Thierry Henry como "negro de merda". O seleccionador foi apenas multado em três mil euros, valor que causou fortes protestos, incluindo do ex-avançado do Arsenal.

No caso de Vinícius Júnior, a Justiça espanhola anunciou a abertura de uma investigação e, de acordo com a procuradoria do Ministério Público de Valência, está em causa um “alegado crime de ódio”. O jogador ameaçou abandonar a partida à passagem pelo minuto 70 e acabaria expulso nos instantes finais do jogo frente ao Valência, após denunciar comportamentos e cânticos racistas dos adeptos rivais. A onda de apoio ao jogador e de repúdio aos actos discriminatórios atravessa já vários quadrantes e chegou mesmo às maiores instâncias do futebol. O próprio Valência, inicialmente calado perante os incidentes, já foi obrigado a tomar uma posição, condenando “veementemente” o comportamento dos adeptos e prometendo expulsar os prevaricadores de sócios do clube.

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