Aeroporto, TAP e ferrovia
Vender a TAP à Lufthansa ou à Air France KLM poderá eventualmente manter o hub “independente de Castela”. Mas a que custo?
O título deste texto parece demasiado abrangente, mas é provavelmente o alfa e o ómega das políticas de infraestruturas de transportes nos próximos anos.
O aeroporto de Lisboa tem neste momento 35 milhões de passageiros/ano, dos quais 7 milhões (20%) são de transferência (isto é, não têm origem nem destino em Lisboa). A maioria desses passageiros são TAP e é a TAP que faz de Lisboa um hub, pelo que o que acontecer à TAP afetará o hub.
Hoje, viajo de Lisboa para Madrid. Terei de me habituar a isso, se a Ibéria/British Airways (grupo IAG) comprar a TAP. Os 7 milhões de passageiros/ano de transferência do hub de Lisboa passarão a fazer a sua transferência em Barajas Madrid e ouviremos “señores pasajeros” sempre que voarmos para o continente americano.
Porventura, as peças do “tabuleiro de xadrez” começaram a ser colocadas estrategicamente há pelo menos três décadas, quando a alta velocidade Sevilha-Madrid abriu à data da Expo 92, e mais tarde a Madrid-Barcelona e depois seguiram-se as ligações às capitais das províncias. Atualmente, a rede AVE é um “polvo imenso” com cabeça em Barajas Madrid, que distribui passageiros e engorda um dos hubs aéreos europeus mais competitivos.
Nuestros hermanos concentram em Madrid e as economias de escala têm disto. Os ingleses sabem-no bem, sobretudo quando optaram por fazer a terceira pista em Heathrow para se manterem competitivos face aos Charles de Gaulle (Paris), Schiphol (Amesterdão) e Frankfurt nos voos intercontinentais.
Enquanto isso, regozijámo-nos com a Expo 98 e fomos aceitando o adiamento sucessivo das obras de modernização da Linha do Norte e o adiamento da Alta Velocidade portuguesa, do novo aeroporto e das ligações essenciais em ferrovia convencional para os aeroportos portugueses. E não! Os metros (ou elétricos de superfície) não são suficientes para os aeroportos do Porto e de Lisboa (e já agora Faro!). E apresentá-los no Plano Ferroviário Nacional como “soluções” é uma estratégia míope, quando são apenas remendos – a coesão territorial pagará por isso, lá mais à frente.
A norte, o aeroporto do Porto ganhou as batalhas com os aeroportos de Santiago, Corunha e Vigo. Tornou-se um aeroporto competitivo ponto-a-ponto, que faz com que alguns galegos se desloquem ao Porto para voar. Foi uma batalha bem ganha e que deveria ser consolidada por ligações ferroviárias mais frequentes entre a Galiza e o aeroporto do Porto.
Assim, vender a TAP à Lufthansa ou à Air France KLM poderá eventualmente manter o hub “independente de Castela”. Mas a que custo? Provavelmente, o caderno de encargos terá de “engenhosamente” prever estes impactos, e não convirá aos responsáveis políticos falar em público deste assunto.
Mas, podemos estar descansados: ao menos o computador do assessor do ministro foi recuperado! Enfim, este assunto é bastante mais sério do que os acontecimentos recentes.
Enquanto isso, a Comissão Técnica Independente (CTI) do novo aeroporto estará a trabalhar para apresentar o relatório até ao final do ano. Mas uma coisa é certa: terá de apresentar pelo menos os três cenários, consoante a venda da TAP seja à IAG, Air France-KLM ou Lufthansa; e para cada opção de localização. Só assim, tentando prever como cada companhia aérea se reorganizará com a frota e slots da TAP e com a crescente pressão ambiental e políticas europeias para a aviação, e a provável proliferação de hubs na Europa, é que será possível à CTI fazer uma análise custo-benefício tecnicamente robusta. Talvez assim o novo aeroporto de Lisboa possa vir a ter uma hipótese face ao polvo de Barajas. Teremos de responder em alemão ou francês, mas manteremos uma chance de manter um hub de alguma competitividade em Lisboa.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico