Saúde mental: quase metade dos alunos inquiridos num estudo pensou desistir da universidade
Inquérito online a alunos da Universidade de Lisboa revela que mais de 80% dos estudantes inquiridos sentiram vontade de se isolar. Associação Académica da Universidade de Lisboa promoveu o estudo.
Não se sentem bem, nem física nem mentalmente, demonstram vontade para se isolarem, têm dificuldades em adormecer ou acordar e falam numa elevada carga de trabalho académico: quase metade (45%) dos 459 alunos da Universidade de Lisboa (UL) inquiridos num questionário a estudantes sobre saúde mental, promovido pela Associação Académica daquela instituição (AAUL), referem já ter ponderado desistir dos estudos superiores por se sentirem “psicologicamente esgotados”. O inquérito estudantil decorreu em Março de 2022 em suporte online.
“Olhamos para estes resultados com evidente preocupação”, afirma o presidente da AAUL, José Afonso Garcia, em declarações ao PÚBLICO. Entre os motivos que contribuem para as realidades referidas estão a carga de trabalho imposta pelos cursos superiores, as dificuldades e preocupações económicas, os problemas com a procura de uma habitação e a crise habitacional, as subidas nas rendas e ainda a ausência ou pouca oferta de opções de apoio psicológico na academia.
O estudo concluiu que cerca de 45% dos respondentes afirmaram que já ponderaram a desistência por estar “psicologicamente esgotado”, outros 13% disseram que talvez já tivessem ponderado e cerca 42% responderam que não o teria feito.
Os relatos de alunos que se vêem “entalados” numa situação em que a renda do quarto aumenta para valores “exorbitantes” a chegar à AAUL têm sido frequentes. “Tentámos analisar o contexto como um todo, mas é evidente que os problemas relacionados com a crise habitacional afectam muito os estudantes”, explica José Afonso Garcia. “De um momento para o outro os senhorios aumentam a renda. Um estudante que já está a meio do ano e se vê nessa situação tem duas opções: ou deixa de estudar ou tem de aceitar aquele preço porque não encontra outras possibilidades”, exemplifica.
De acordo com o representante estudantil, as perguntas do inquérito online foram formuladas com o apoio de psicólogos, que também apoiaram os estudantes da associação académica na análise dos dados recolhidos. Responderam ao formulário 459 estudantes da Universidade de Lisboa, a maioria frequenta a licenciatura e tem idades compreendidas entre os 18 e os 21 anos.
Os resultados do questionário, a que o PÚBLICO teve acesso, dão conta de que “quem se encontra numa posição geográfica significativamente grande entre a sua cidade de origem e Lisboa, tem, de forma muitas vezes stressante e desgastante, de alugar um quarto”.
E é nesse contexto que o factor económico é, em muitos casos, “a mais pesada preocupação não só para os próprios jovens como para as suas famílias, que em grande parte os ajudam financeiramente”.
Os resultados revelam ainda que metade dos estudantes da UL manifestaram não se sentir bem física e psicologicamente; mais de 80% sentiram vontade de se isolar e 58% priorizam os estudos em detrimento da sua saúde mental. O estudo da associação académica dá também conta de que a pandemia de covid-19 foi um elemento negativo nas vidas destes estudantes, que referem uma mudança nos hábitos de sono: passaram a dormir menos horas e adormecem mais tarde.
Dos inquiridos, 30% tem regularmente apoio psicológico, já cerca de 40% nunca ponderou recorrer a esse serviço. Quando questionados sobre a intervenção na saúde mental da comunidade académica registou-se um “enviesamento claro para a resposta ‘não faz nada’”.
Na óptica da AAUL, as conclusões do relatório dão pistas sobre a necessidade de se reverem as políticas educativas das instituições, “que não se adaptam aos estudantes do século XXI”. "É necessário implementar medidas efectivas para fornecer suporte emocional e psicológico adequado aos estudantes, bem como criar um ambiente académico mais saudável e inclusivo", defende a associação académica. As conclusões foram encaminhadas para a reitoria da Universidade de Lisboa e para as respectivas faculdades e institutos.
O representante estudantil deixa uma proposta às instituições: “Pedimos, por exemplo, que os dados do desempenho académico, que estão informatizados, sejam utilizados como indicador do estado mental dos estudantes. No caso de um universitário que diminua o seu rendimento académico, por que razão não há um algoritmo que detecte esta baixa e isso provoque uma acção do lado da faculdade para perceber se o estudante está bem”. “Um estudante que não pague as propinas recebe logo alertas e notificações para viabilizar a situação. Mas quando o rendimento baixa por problemas de saúde mental não há nada que alerte que o estudante poderá estar a passar por um problema”, sublinha.