Fim de ciclo

Este ministro esconde mal o ambiente de fim de ciclo em que vive, ao fim de oito anos na equipa do ME e de meses da segunda grande guerra que um governo maioritário do PS faz aos professores.

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Ao fim de seis meses de um dos mais persistentes dos movimentos de contestação que tem tido que enfrentar, o Governo publicou há uma semana um novo regime de concurso para os educadores e professores do Ensino Básico e Secundário (Decreto-lei n.º 32-A/2023). Para o estudo do impacto dos processos de luta social na negociação, o decreto é interessante sobretudo pelas marcas que traz das vitórias do movimento dos professores e, ao mesmo tempo, da persistência de opções do Ministério da Educação (ME) que suscitaram a rejeição geral na classe docente.

O ministro começara por só pretender vincular apenas 5 mil professores precários e agora fala em 10.700. Se quisesse vincular todos os docentes com mais de 1095 dias de serviço, como agora se promete, seriam desde já vinte mil e não dez mil as vagas a abrir. Depois de ter deixado chegar a precariedade a níveis comparáveis aos da última fase da ditadura, não é pouca coisa.

Por outro lado, o ME vê-se obrigado a abrir concursos todos os anos e desistir da sua proposta inicial de concursos cada cinco, o que tem penalizado milhares de professores condenados a trabalhar há anos longe das suas casas e famílias. Acima de tudo, o ME foi obrigado a reconhecer a graduação profissional como critério central dos concursos, ao contrário de toda a engenharia discricionária que o ME queria inicialmente introduzir no sistema ao prever formas de recrutamento por “perfil de competências”.

Há, contudo, uma modalidade de concurso, a mobilidade interna, na qual se mantém a distorção deste critério ao se dar prioridade aos docentes providos em Quadros de Zona Pedagógica à frente dos providos em Quadros de Agrupamento Escolar que se candidatam à aproximação à residência. Furar este critério num concurso tão significativo para a vida de muitos professores é continuar a reproduzir inevitavelmente injustiças e a continuar a crispar a vida nas escolas. Depois de demasiados anos de políticas que tentam dividir os professores, fatiá-los em segmentos para tentar colocá-los uns contra os outros, era hora de acabar com esta guerra e aplicar sem exceções um mesmo princípio guia dos concursos: o da graduação profissional.

Outra das suas intenções iniciais que o ME teve que deixar cair, mas que despoletou, em novembro, a fase mais intensa da mobilização dos professores, foi a possibilidade, lançada naquele mês aos sindicatos como balão de ensaio, de intermunicipalizar (isto é, de “alinhamento” dos “mapas de docentes” e já não “quadros” “com Comunidades Intermunicipais [CIM] e Áreas Metropolitanas”) a “gestão dos recursos humanos docentes” a cargo de “Conselhos Locais de Diretores”, tal e como se explicitava no famoso Power Point mostrado aos sindicatos. Em coerência com o que se parecia desenhar, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 123/2022, de 14 de dezembro, viria a atribuir às CCDR a competência de “acompanhar, coordenar e apoiar a organização e funcionamento das escolas e a gestão dos respetivos recursos humanos e materiais”.

Sendo certo que o ME se viu obrigado a desmentir nas semanas seguintes esta intenção, a linguagem então usada apontava para uma tendência que, aliás, é a mesma dos dois últimos governos de António Costa: a de dissolver as responsabilidades do Governo central na gestão das políticas públicas entre entidades como as CCDR, os municípios ou coisas tão precárias quanto as CIM. Quando eu próprio, enquanto deputado do PCP, lhe recordei isto mesmo na audição de terça passada na Assembleia da República, João Costa chamou-me “desonesto” por estar a “repetir uma mentira”. Ofensas desta natureza, uma vez confrontadas com os documentos lidos no seu contexto, ficam com quem as pronuncia, e revelam duas evidências: que o Chega não detém o monopólio da banalização política do insulto, e que este ministro esconde mal o ambiente de fim de ciclo em que vive, ao fim de oito anos na equipa do ME e de meses daquela que fica para a história deste século como a segunda grande guerra (depois da movida por Maria de Lurdes Rodrigues) que um governo maioritário do PS fez aos professores.

Para a história ficará esta clara associação entre maioria absoluta e autoritarismo contra uma das mais respeitadas profissões democráticas do Estado de Bem Estar Social. E ficará a luta dos professores para recuperar os 6 anos, 6 meses e 23 anos de tempo de serviço que lhe foi confiscado.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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