Duelo Portugal-EUA elege Amy Pope e afasta Vitorino da OIM
António Vitorino teve 67 votos na primeira volta e a sua rival, candidata dos EUA, 98. Horas depois, anunciou saída da corrida e Pope foi eleita por aclamação.
A norte-americana Amy Pope foi eleita esta tarde directora-geral da Organização Internacional das Migrações (OIM), em Genebra, após o português António Vitorino ter anunciado a saída da corrida.
Na primeira ronda, esta manhã, Pope teve 98 votos e Vitorino 67. Quatro horas depois, Vitorino anunciou que não tentaria uma segunda ronda.
Eleito em 2018, Vitorino concorria a um segundo mandato.
Num processo inédito e imprevisível, este ano houve dois candidatos da “casa”, ambos ocidentais e de países amigos e aliados, Portugal e EUA, o que resultou numa campanha feita com pinças por parte da diplomacia e do Governo portugueses.
Pope, sub-directora-geral da OIM com o pelouro da gestão e reforma — na prática, número dois de Vitorino —, surpreendeu ao anunciar a sua candidatura em Outubro. Há uma tradição não escrita de os líderes das agências da ONU fazerem um segundo mandato, desde que o primeiro seja considerado positivo.
O vencedor precisa de dois terços dos votos. Nas últimas semanas, houve forte pressão de ambos os candidatos e esperavam-se rondas sucessivas para que um conseguisse a maioria exigida.
Mas com 31 votos de diferença, Vitorino acabou por retirar-se da corrida. Pope já agradeceu a vitória e prometeu uma OIM “mais representativa dos seus membros” e uma resposta “mais criativa” e “mais proactiva aos desafios da migração”.
À tarde, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, publicou no site oficial uma mensagem de felicitações. Elogiou “a excelência do trabalho” feito por Vitorino “ao serviço de Portugal e do mundo”, “o significativo alargamento do apoio da OIM a dezenas de milhões de migrantes” e a “nova dinâmica” que criou na organização.
Em 2018, Vitorino teve 68 votos na terceira ronda e a costa-riquenha Laura Thompson, então vice-directora-geral da OIM, teve 52. Na última ronda, Vitorino foi eleito por aclamação.
A OIM tem 175 países e o voto é secreto.
Pope esteve em regime de licença sem vencimento na OIM para concentrar-se na campanha. É a candidata oficial do Governo norte-americano e tem o apoio pessoal do Presidente Joe Biden. A sua conta no Twitter tem muitas fotografias suas com Biden, Antony Blinken, Secretário de Estado norte-americano, em diferentes países.
Na sua campanha, Pope criticou Vitorino nas ideias e estilo, e até sugeriu que é demasiado velho para o cargo. Vitorino tem 66 anos e Pope 49. Disse que é preciso “mais inovação” e “mais energia” e que Vitonio vai pouco ao terreno.
O Governo português fez uma campanha mais discreta, evitou melindrar um aliado com o peso dos EUA, não criticou Pope a nível pessoal, nem comentou o que diplomatas de outros países descreveram como uma “candidatura desleal”.
Nas vésperas da eleição, em declarações ao PÚBLICO, o ministro João Gomes Cravinho limitou-se a dizer que o primeiro mandato de Vitorino “fala por si”.
A diplomacia portuguesa destaca seis resultados do seu mandato: implementou reformas na estrutura da administração de topo, aumentou a diversidade geográfica e de género, criou mecanismos de avaliação e responsabilização, melhorou a eficácia da OIM em resposta a crises, como no Iémen, Afeganistão e Ucrânia, e aumentou o orçamento anual de dois mil milhões para três mil milhões de dólares.
A decisão de Washington de apresentar uma candidatura contra um aliado, em plena guerra na Ucrânia, e contra quem está em exercício e reivindica sucessos concretos é vista como parte de uma estratégia para recuperar o tempo perdido nos quatro anos da Administração de Donald Trump.
O ex-Presidente dos EUA afastou e retirou o país de acordos e agências internacionais, o que abriu porta ao avanço da China para a chefia de instituições multilaterais.
Os dois lados tinham uma ideia aproximada das intenções de voto e, nos bastidores, a derrota de Vitorino era tida como muito provável.
Criada em 1951 para resolver os problemas migratórios causados pela II Guerra Mundial, a OIM teve dez directores-gerais e só dois não são norte-americanos: o holandês Bastiaan Haveman, em 1962 (nomeado pela Administração Kennedy) e Vitorino, em 2018.