Avanços em Bakhmut ainda não são a contra-ofensiva da Ucrânia

Movimentações destinam-se mais a perceber as fraquezas do inimigo e a amarrar tropa russa ali, opinam os analistas. Comentários do líder do grupo Wagner irritam o Kremlin.

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Ucranianos têm feito pequenos contra-ataques nos arredores da cidade STRINGER/Reuters
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Depois de meses em que a conquista de Bakhmut pela tropa russa parecia apenas uma questão de tempo – chegou a ser apontada como iminente no início de Março –, as Forças Armadas ucranianas conseguiram nos últimos dias fazer alguns avanços e recuperar terreno nos arredores da cidade.

Para já, os ganhos territoriais não terão sido superiores a dois quilómetros, segundo o comandante da tropa ucraniana na frente leste, Oleksandr Sirskii, e relatos de vários bloggers militares russos, que reconhecem o sucesso de contra-ataques ucranianos localizados.

“Existe um risco grave de cerco ao grupo Wagner em Bakhmut”, queixou-se na quarta-feira o líder desta milícia, Ievgueni Prigojin, responsabilizando a tropa regular russa por não proteger “os flancos [da cidade]”, que “estão a começar a ceder e a desmoronar-se” e novamente acusando o Ministério da Defesa de não lhe fornecer as munições necessárias para o combate.

O Instituto para o Estudo da Guerra, um think-tank de Washington que tem acompanhado as movimentações militares no terreno, escreve no seu relatório de quinta-feira que esta reacção de Prigojin, bem como a do próprio ministério, que foi rápido a anunciar que tinha repelido contra-ataques ucranianos, “espelha o crescente pânico no espaço informativo russo em relação à planeada contra-ofensiva ucraniana”.

Segundo esta organização, “o posicionamento de forças pelo Ministério da Defesa, combinado com as mudanças na geometria do campo de batalha, sugere que o perigo de um cerco russo a um número significativo de forças ucranianas pode já ter passado”.

Os contra-ataques ucranianos têm sido pequenos e restritos a porções de terreno muito concretas. O objectivo é “sobretudo variar os eixos para desorientar e desequilibrar o inimigo”, analisa Cédric Mas no seu comentário diário à guerra no Mastodon. O historiador militar francês não acredita que estes movimentos sejam já a grande contra-ofensiva ucraniana, mas correspondem, pelo menos, a uma mudança na iniciativa: depois de semanas em posição defensiva, os ucranianos passam ao ataque. E, mesmo que sem conquistas territoriais de monta, acrescenta Mas, os ataques têm servido para diminuir a pressão sobre estradas importantes para o abastecimento da tropa.

“A Ucrânia parece estar a atacar com forças que é improvável que estejam relacionadas com o objectivo principal, portanto com a esperança de amarrar unidades russas a Bakhmut”, escreve no Twitter o analista militar Michael Kofman, do norte-americano Center for Naval Analysis. Enquanto isso, a Ucrânia “prepara as condições para uma grande ofensiva que provavelmente vai acontecer noutro lado”.

Dois responsáveis militares ocidentais disseram na quinta-feira à CNN que as Forças Armadas da Ucrânia tinham começado ao que em linguagem militar inglesa se designa por “front shaping”, que Cédric Mas diz ser uma estratégia com que os ucranianos “modelam a linha da frente através de pequenas operações para sondar e identificar pontos fracos”. Essa modelação da frente geralmente envolve ataques aéreos ou de artilharia a depósitos de armas e a centros de comando para deixar "limpo" o campo de batalha para o avanço da infantaria.

Bakhmut, que há meses é o ponto mais mortífero de uma guerra que parece ter entrado em modo pausa nas restantes frentes, pode ou não fazer parte dessa estratégia. Mas é certamente um tema que causa desconforto entre a elite política russa e que os ucranianos podem estar a explorar.

O jornal independente russo Meduza diz ter falado com duas fontes anónimas do Kremlin, segundo as quais as recentes críticas públicas de Prigojin às lideranças política e militar da Rússia – incluindo uma saraivada de insultos –, ao mesmo tempo que alija responsabilidades sobre o seu próprio insucesso no campo de batalha, estão a causar um grande desconforto interno. Uma das consequências terá sido um esfriar de relações entre o líder do grupo Wagner e o milionário Iuri Kovalchuck, um amigo íntimo de Vladimir Putin e considerado um dos principais financiadores da organização mercenária.

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