Entre as brumas da dissolução

Já nos habituámos a comentadores especularem, jornalistas noticiarem essas especulações e políticos comentarem essas “notícias”. Entretanto, duas discussões cruciais ficaram pelo caminho.

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Vivemos tempos de vertigem e tremendismo político-mediático. O tempo da política parece ter acelerado, exigindo-se, por exemplo, que um líder da oposição tenha um programa de governo alternativo no dia seguinte à sua eleição ou que um primeiro-ministro se pronuncie sobre uma polémica meia hora depois de esta ter ocorrido. Ao mesmo tempo, tudo é passível de gerar indignação instantânea, criando um ruído constante que dificulta discernir o relevante do acessório, o episódio caricato da situação crónica, o que é grave do que é intolerável.

Este discernimento teria sido particularmente útil nestas semanas em que a dissolução parlamentar voltou à ribalta, depois de mais um conjunto de polémicas governativas. Por um lado, não há dúvida de que a responsabilidade pela catadupa de casos é do Governo. Porém, ela medra particularmente bem num clima em que a superficialidade, a emoção e a rapidez são elementos fundamentais. O Governo cometeu muitos erros (inclusivamente a tentar corrigir alguns), mas o ambiente "twitteriano" da nossa opinião pública favorece a histeria e a indignação, ao invés da razoabilidade e do esclarecimento.

Na verdade, embora não devêssemos, já nos habituámos a comentadores especularem, jornalistas noticiarem essas especulações e políticos comentarem essas “notícias”.

Assim, não foi de estranhar que, após António Costa ter segurado João Galamba, tenham prevalecido duas discussões. A primeira centrou-se na questão “quem ficou a ganhar”. O foco passou ser se o primeiro-ministro fez bem ou mal em termos estratégicos e tácticos, e não se fez bem em termos substantivos (ou seja, se deveria ter demitido ou aceitado a demissão do ministro).

Já a segunda discussão concentrou-se na questão “o que é que isto interessa aos portugueses”. Neste caso, o foco passou a ser a proclamação da necessidade de ultrapassar as dificuldades dos portugueses, como se o funcionamento e credibilidade do Governo fossem indiferentes para esse fim.

Nesta bruma, duas outras discussões cruciais ficaram pelo caminho. A primeira seria saber se existem razões suficientes para responsabilizar politicamente João Galamba. Julgo que a declaração oficial do Presidente foi esclarecedora quanto aos argumentos concretos que sustentam esta necessidade, se quisermos ter em conta a credibilidade da acção política numa democracia. Embora o primeiro-ministro tenha boas razões para querer clarificar a relação com o Presidente e não ficar dependente do clamor da opinião pública, não o deveria ter feito neste caso, pois ele é um caso típico de responsabilidade política do ministro.

A segunda discussão importante seria sobre se o Governo está hoje em melhores condições. Ou seja, depois de seis meses de desgaste, os acontecimentos dos últimos dias permitem virar a página e normalizar o funcionamento do Governo (desde logo, do Ministério das Infra-estruturas)? Independentemente do que vier a acontecer em resultado da Comissão Parlamentar de Inquérito da TAP, o que ganhou o Governo com esta afirmação política do primeiro-ministro?

No nosso sistema de governo, o Presidente é muito relevante e, neste caso, vítima do seu estilo de comunicação incessante, Marcelo Rebelo de Sousa cometeu muitos erros. Mas, ao contrário do que se tem dito, a bola tem estado sempre do lado de António Costa. Ele é que se tem recusado a batê-la. Veremos até quando.

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