Em política, há (quase) sempre um erro final... e fatal

Sabendo que tem jornalistas à porta do Palácio de Belém, Marcelo não se barrica no interior nem evita os microfones. Sai para jantar, a pé, e lança um ou outro comentário como se fosse um aperitivo.

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Temos todos a certeza de que o nosso Presidente fala muito. E fala. Como é esperado, fala nas datas solenes e em cerimónias oficiais (Ano Novo, 25 de Abril, 10 de Junho ou 5 de Outubro), em visitas ou quando é convidado como orador para abrir ou encerrar eventos. Fala — ou escreve quando quer explicar alguma decisão. E fala quando é interpelado pela comunicação social sobre assuntos de actualidade.

Sabendo que tem jornalistas à porta do Palácio de Belém, sedentos de uma declaração sobre o desenrolar da crise política, Marcelo Rebelo de Sousa não se barrica no seu interior nem evita os microfones. Sai para jantar, a pé, e vai fazendo um ou outro comentário como se fosse um petisco. Ou um aperitivo.

Conhecemos a sua veia de comentador/explicador há mais de 20 anos. O próprio já explicou que a agenda intensa e as múltiplas declarações — “todas intencionais” — fazem parte da sua maneira de picar balões para “controlar preventivamente” os acontecimentos. O certo é que este diálogo vivo com o país lhe tem valido muitas críticas desde que está na Presidência da República, onde ocupa um cargo cuja formalidade nem sempre combina com a sua compulsão para o comentário.

Apesar desta ideia que é facilmente comprovável pelas constantes intervenções públicas do antigo professor, fiz uma rápida pesquisa sobre as comunicações de Marcelo Rebelo de Sousa ao país, instrumento institucional que todos os Presidentes usam de forma parcimoniosa. Contas feitas, nos sete anos dos seus dois mandatos, não se pode dizer que Marcelo se tenha dirigido aos portugueses demasiadas vezes ou sobre temas irrelevantes.

Exceptuando as várias declarações dos tempos de pandemia, que cumpriram o papel de dar confiança aos portugueses, o chefe de Estado falou sobre Orçamento do Estado, incêndios mortais (de Junho e de Outubro de 2017), novo aeroporto (na sequência do polémico despacho que acabou por ser anulado) e dissolução e eleições (quando o chumbo do Orçamento para 2022 levou à queda do Governo minoritário eleito dois anos antes). Tudo temas prementes. Nenhum desvio.

Finalmente, na última quinta-feira, fez saber que falaria ao país no rescaldo do pedido de demissão de João Galamba que António Costa rejeitou. E, embora não tenha usado nenhum dos poderes constitucionais que lhe assiste, como a tão falada dissolução do Parlamento, o facto de ter colado este momento à solenidade de uma declaração ao país é, por si só, simbólico. Se tivesse escolhido o final de uma visita a um casal sem abrigo para garantir que será mais vigilante a partir de agora, seria diferente.

As circunstâncias importam. Marcelo já antes se tinha assumido como “último fusível de segurança política” do sistema constitucional, mas fazê-lo na Sala das Bicas do Palácio de Belém numa declaração em directo, em horário nobre, é um sinal. O facto de não ter redundado numa “interrupção do percurso” do Governo não significa que o Presidente esteja mais refém do primeiro-ministro do que estava antes. Visto daqui, Marcelo não perdeu nenhum dos poderes (nem dos medos) que antes tinha. Nem Costa. É a beleza da política, que permite seguir em frente, erro após erro, até ao erro final... e fatal.

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