Miragens aeroportuárias: elefantes brancos a caminho da catástrofe climática
A indústria aeronáutica e os seus acólitos acenam-nos com pseudossoluções tecno-otimistas que não são tecnicamente viáveis ou que não podem ser implementadas com a rapidez e à escala que se impõe.
Não obstante a catástrofe climática em curso, e mesmo depois de o último relatório síntese do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), publicado em março de 2023, ter alertado para necessidade de aumentar a rapidez e extensão da redução da emissão de gases com efeito de estufa (GEE), o Governo português decide continuar a acelerar na “autoestrada para o inferno climático”, apostando na construção de uma nova infraestrutura aeroportuária de grandes dimensões. De acordo com a coordenadora-geral da Comissão Técnica Independente, Rosário Partidário, o projeto desse mega-aeroporto deverá permitir a construção de duas pistas, com uma distância de 1,5 km entre si, e com uma área de expansão de mil hectares, de preferência numa versão hub e não numa versão dual, o que pressupõe a construção de um novo aeroporto de raiz.
Sendo a aviação uma das atividades humanas mais poluentes, com emissões globais de GEE que ultrapassam as emissões totais da Alemanha, ficando apenas atrás da China, dos EUA, da Índia, da Rússia e do Japão, torna-se difícil imaginar como as atuais miragens aeroportuárias possam ser compatíveis com a neutralidade carbónica para manter o aquecimento global médio abaixo de 2ºC, em comparação com a época pré-industrial. Mas os malabarismos contabilísticos deixam as emissões dos voos com destinos internacionais a partir de aeroportos portugueses fora dos cálculos da neutralidade carbónica, permitindo assim que a maior parte das emissões da aviação fica por contabilizar. No entanto, de acordo com os dados da Eurocontrol, são precisamente os voos de longa distância, acima de 1500 km, responsáveis por 75% das emissões de CO2, enquanto os voos com distâncias curtas, até 500 km apenas são responsáveis por 4,3% das emissões.
Já a “Contestação abaixo-assinada sobre o EIA do Aeroporto do Montijo e suas Acessibilidades”, subscrita por 11 cientistas portugueses, tinha demonstrado que o aumento previsto da capacidade aeroportuária em Portugal faria ascender as emissões da aviação com origem em Portugal a 6 MtCO2e em 2050. Estas emissões corresponderiam a 60% das emissões admissíveis a nível nacional no contexto do RNC2050, demonstrando que é impossível evitar a catástrofe climática sem tocar na aviação internacional.
Quando o Governo assinou no longínquo ano 2017 um memorando de entendimento com a Vinci, concessionária da ANA – Aeroportos de Portugal para estudar a hipótese de construir um aeroporto complementar na Base Aérea do Montijo e aumentar significativamente a capacidade aeroportuária da região de Lisboa, seguido em janeiro de 2019 pelo acordo para avançar com a construção de um aeroporto civil no Montijo e com a expansão do aeroporto Humberto Delgado, ainda se poderia alegar alguma ingenuidade quanto à urgência de agir perante as alterações climáticas. Atualmente, esta atitude parece inadmissível, sendo exigido justamente mais ação por movimentos como a Greve Climática Estudantil.
Depois de contestado por organizações da sociedade civil que chegaram a utilizar a via judicial para pedir a anulação da Declaração do Impacte Ambiental condicionada, foi a oposição de dois municípios afetados que acabou por travar os planos para o Montijo, aproveitando uma lei assaz democrática de 2007, cujo objetivo era disciplinar “a construção, ampliação ou modificação e a certificação e exploração das infraestruturas aeroportuárias”, oportunamente revertida em abril deste ano por um acordo entre PS e PSD que convergiram na amputação dos poderes locais, não vá o Diabo tecê-las.
Dada a necessidade de reduzir as emissões de GEE para conter a catástrofe climática, a indústria aeronáutica e os seus acólitos acenam-nos com pseudossoluções tecno-otimistas como: a melhoria da eficiência de futuras aeronaves (largamente ultrapassada pelo aumento do número de voos); a eletrificação da aviação (ineficiente e indisponível à escala necessária num futuro próximo); o hidrogénio (dependente de quantidades enormes de eletricidade ”verde”); combustíveis “sustentáveis” ou biofuels (falta escala e a sua combustão emite CO2); ou e-fuels (dependentes de eletricidade renovável abundante, tendo uma eficiência energética muito reduzida). Atualmente, nenhuma dessas soluções é tecnicamente viável ou pode ser implementado com a rapidez e à escala que se impõe.
Em última análise, não há volta a dar, ou a humanidade continua na autoestrada para o inferno climático ou muda radicalmente de trajetória. Em qualquer um dos casos, a construção de um mega-aeroporto na região de Lisboa corre o risco de se tornar um gigantesco elefante branco, desperdiçando os recursos necessários para criar um sistema de mobilidade justo e com os pés na Terra, apoiado na ferrovia e na redução planeada e coordenada da capacidade total instalada nos aeroportos civis internacionais existentes em Portugal continental.
Precisamos de mais imaginação e de menos aviação!