Saúde: a tecnologia como chave para mais e melhores cuidados

Há uma revolução a acontecer na forma como os cuidados de saúde são e serão prestados. Ricardo Constantino, da NTT DATA, acredita que esta é a única forma de melhorar a relação médico-doente.

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O potencial oferecido pela tecnologia na transformação dos cuidados de saúde primários é infinito. A boa notícia é que ganhamos todos com esta revolução, já que quem passa a estar no centro da prestação dos cuidados é quem deveria ter lá estado desde o início: as pessoas. E não, não estamos a falar apenas de melhores sistemas de informação ou de meios de diagnóstico mais avançados.

Estamos, sim, a falar de toda uma nova forma de perspectivar os cuidados de saúde, desde a prevenção — por exemplo, com recurso a dispositivos de monitorização portáteis (wearable devices), como os smartwatches, ou a aplicações que ajudam a controlar indicadores e a ajustar a medicação — passando por novas terapias cada vez mais personalizáveis e pouco invasivas, incluindo ainda formas inovadoras de interacção com profissionais de saúde ou mesmo com bots programados com recurso a inteligência artificial (IA) para aconselhamento em saúde.

Como resultado de tudo isto, podemos até esperar algo que, para muitas pessoas, é uma autêntica surpresa: a melhoria da relação estabelecida entre profissionais de saúde e utentes. Esta é, pelo menos, a convicção de Ricardo Constantino, Partner e Head of Health & Public Sector da NTT DATA Portugal, segundo o qual “a utilização da tecnologia é a única forma de reforçar a relação médico-doente”.

“Com o aumento da procura de cuidados de saúde, existe uma grande pressão para normalizar o número de cidadãos seguidos por cada médico e consequentemente o tempo das consultas. Ao mesmo tempo, existe a necessidade de recolher mais informação sobre os cidadãos. Assim, a utilização da tecnologia é a única forma de garantir que os profissionais de saúde conseguem dedicar mais tempo à relação médico-doente e que isso não compromete a recolha de informação”, afirma.

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A utilização da tecnologia é a única forma de garantir que os profissionais de saúde conseguem dedicar mais tempo à relação médico-doente e que isso não compromete a recolha de informação" Ricardo Constantino, Partner e Head of Health & Public Sector da NTT DATA Portugal

Cuidados de saúde primários mais ligados aos cidadãos

Mas até que ponto é que as possibilidades referidas no início deste artigo são já uma realidade no nosso país?

De acordo com Ricardo Constantino, “Portugal tem feito progressos na digitalização do sector da saúde, mas continua a ter um caminho a percorrer no sentido de melhorar os resultados que retira dessa digitalização, sobretudo a acessibilidade, a eficiência e, por último — e mais importante —, melhorar a saúde dos portugueses”. Por exemplo, um português que atinja os 65 anos tem uma esperança de vida de 20 anos, mas desses, apenas 7,3 serão saudáveis. "Passa mais de 60% desses 20 anos com problemas de saúde. Não podemos aceitar esta situação."

Para o conseguir, o responsável realça que “é necessária uma visão sistémica sobre como a digitalização pode ajudar a ultrapassar os desafios que se colocam à saúde”. Em concreto, explica que é preciso perceber como é que, por exemplo, “a utilização conjunta de várias tecnologias e processos pode reduzir ou eliminar a dificuldade de acesso aos cuidados de saúde primários e retirar as pessoas das unidades hospitalares”.

Este é um assunto muito importante, pois, como o próprio refere, “os cuidados de saúde primários têm um papel essencial na promoção da saúde e na redução do impacto das doenças crónicas”. Além de que, “não vamos ter capacidade financeira para continuar a suportar o crescimento dos cuidados de saúde hospitalares”.

Assim, “para realizar este papel de forma eficiente, será necessário que os cuidados de saúde primários possam conjugar informação clínica com informação comportamental dos cidadãos”. Uma das formas de o conseguir passa, nas suas palavras, por dotar os cuidados de saúde primários de soluções que sejam capazes de recolher informação clínica, mas que tenham também “capacidade para interagir com os dispositivos wearable usados pelas pessoas no dia-a-dia”.

Da mesma maneira, defende que a informação genómica deve ser incluída nestas soluções, uma vez que “será importante na prevenção e diagnóstico precoce de algumas das patologias”, além de que há ainda que “apostar na integração entre os operadores públicos e privados de saúde”.

“Temos mais de cinco milhões de pessoas com seguro de saúde ou que pertencem a um subsistema de saúde e estas pessoas combinam os serviços públicos e privados de saúde, pelo que é obrigatório que se avance para a interoperabilidade entre os diferentes operadores”, sustenta.

O desafio da inteligência artificial

Entre as várias tecnologias já disponíveis, o Head of Health & Public Sector da NTT DATA Portugal considera que “a combinação da ligação aos dispositivos wearable com a utilização da inteligência artificial vai ter um impacto enorme na forma como os cuidados de saúde primários são prestados e nos resultados que podem ser obtidos na prevenção e promoção da saúde”. Mas, para isso, frisa que “é preciso primeiro criar as condições regulatórias para a utilização dos dados de wearables na prática clínica”.

Ricardo Constantino admite que “a inteligência artificial terá um impacto significativo no aumento da acessibilidade e eficiência”, além de que “surgirão terapêuticas comportamentais de base digital e ferramentas que vão apoiar os profissionais de saúde na realização das suas actividades”.

Porém, “é necessário que a introdução da IA na prática clínica tenha os mesmos requisitos das restantes tecnologias em saúde, que seja sujeita a ensaios clínicos que demonstrem a eficiência, a eficácia e os seus resultados”.

Actualmente, considera que Portugal está atrasado nesta área: “A regulamentação europeia que está em discussão para a criação de um Espaço Europeu de Dados de Saúde vai obrigar Portugal a dar um grande salto nesta área; temos de decidir se o vamos fazer de forma proactiva e planeada ou se vamos ser reactivos.”

Literacia em saúde: ninguém pode ficar de fora

Tendo em conta que a digitalização irá dominar a prestação dos cuidados de saúde no futuro, deverão as pessoas com menos literacia digital começar a preocupar-se?

De acordo com Ricardo Constantino, “a literacia digital dos pacientes tem aumentado de forma consistente”, ainda assim, admite que “é necessário garantir que a digitalização dos cuidados de saúde não coloca ninguém de fora do sistema, garantindo que existe a capacitação digital dos cidadãos”.

De igual forma, também a literacia digital dos profissionais de saúde assume um papel cada vez mais relevante. Ricardo Constantino concorda que “é essencial que exista um aumento da literacia digital e tecnológica dos profissionais de saúde para se retirar todo o potencial da adopção da tecnologia”. No seu entender, uma das formas de o conseguir passa pela “introdução destes temas na formação dos futuros profissionais de saúde”.

Por seu turno, em relação aos profissionais de saúde que já se encontram em funções, destaca que a capacitação digital deve não só incidir sobre as soluções e a sua forma de utilização, mas também sobre “as vantagens que a utilização destas soluções introduz em todo o processo de prestação de cuidados de saúde”.

“Tem de estar claro para os profissionais de saúde, que já têm uma grande pressão, qual o motivo para estarem a recolher determinada informação”, remata, salientando o aspecto importante da adesão à tecnologia.

A tecnologia ajuda, mas sozinha não resolve

Um sistema de saúde centrado no utente é uma das promessas que ouvimos há anos, pelo que é inevitável perguntarmos: será que é agora que tal se vai materializar?

“A criação de um sistema de saúde centrado no cidadão não pode ser uma responsabilidade só da tecnologia”, responde Ricardo Constantino, segundo o qual, “não podemos achar que basta investir-se em tecnologia, e que, num passe de mágica, o sistema fica centrado no cidadão; se fosse assim, era fácil e já estava feito há muito tempo”.

Até porque, como o próprio diz, a tecnologia necessária para criar um sistema centrado no cidadão já existe: “Já temos soluções que permitem fazer agendamentos automatizados com base nas preferências do cidadão; já temos soluções de teleconsulta que permitem o acesso aos profissionais de saúde em qualquer lugar; já temos as soluções que permitem fazer o acompanhamento remoto de doentes.”

“Agora, para termos um sistema centrado no cidadão e retirarmos resultados desse paradigma, é necessário que a implementação das soluções tecnológicas esteja alinhada com a transformação que terá de ser realizada nos restantes níveis, regulação, processos, pessoas e financiamento”, remata, lembrando que “a NTT DATA está envolvida em diversas iniciativas de digitalização do sector da saúde na Europa, sendo que existem áreas em que nos comparamos bem com os outros países e áreas em que estamos mais atrasados”.