A cor da pele pode interferir nas hipóteses de um candidato que concorre a uma vaga de emprego na Europa. O que antes poderia ser uma suspeita foi comprovado por um dos maiores estudos de campo realizados sobre o tema, em processos de recrutamento reais. Os resultados revelam que descendentes de imigrantes nascidos no continente, a chamada segunda geração, estão sujeitos a discriminação racial baseada em características físicas.
Tendo em conta as respostas recebidas na primeira fase de uma selecção, quando o recrutador, após análise do perfil do candidato, demonstra ou não interesse em levá-lo para a etapa seguinte, foi evidenciado que candidatos de fenótipo negro, asiático/indígena e caucasiano de pele escura receberam menor taxa de resposta positiva do que o fenótipo branco. As comparações são entre candidatos de perfis idênticos no género, no tipo de vaga pretendida e na região de origem.
Conduzida na Alemanha, na Holanda e em Espanha, países onde a fotografia costuma ser incluída no currículo, a investigação foi realizada a partir da participação de candidatos fictícios na disputa por quase 13 mil vagas de trabalho. O estudo, classificado como o primeiro em larga escala sobre o tema, foi realizado entre 2016 e 2018 e publicado na edição de Março da revista académica Socio-Economic Review, da Universidade de Oxford.
O estudo foi elaborado, segundo os investigadores, para verificar se a discriminação em países da Europa tinha como principal factor aspectos religiosos/culturais, como tradicionalmente vinha sendo considerado, em especial em relação a descendentes com origens em países muçulmanos. Até então havia o entendimento, mesmo entre especialistas, que o preconceito europeu era diferente do existente nos EUA, fundamentado na raça. Os autores afirmam que o argumento só se manteve por falta de investigação empírica na Europa.
"Normalmente medimos o impacto da ancestralidade étnica manipulando apenas os nomes dos candidatos. Nesta investigação, fomos capazes de manipular tanto o nome do candidato quanto a sua aparência racial", diz à Folha Javier Polavieja, primeiro autor da investigação e professor de sociologia da Universidade Carlos 3 de Madrid, em Espanha. "E o que as evidências indicam é que os empregadores europeus estão a responder ao fenótipo das pessoas, não apenas à ascendência étnica."
A procura pela precisão da experiência é justificada pela diversidade cada vez maior da população europeia, como consequência de fluxos migratórios. Segundo dados de 2021 do Eurostat, instituto de estatísticas da União Europeia, 7% da população entre 15 e 74 anos nasceu em países do bloco europeu tendo um ou os dois progenitores estrangeiros. Desses, 57% tinham pelo menos um dos progenitores nascido fora da UE.
"Os novos europeus são um grupo crucial para a Europa. Muita coisa está em jogo na integração deles, incluindo a sustentabilidade do sistema de bem-estar social e da previdência. É importante, para todos, que essas pessoas se dêem bem. E é importante verificar como eles estão integrados no mercado de trabalho", afirma Polavieja.
Pelos resultados da investigação, a aparência racial interfere na probabilidade de um candidato receber uma resposta positiva do recrutador nos três países. Esse impacto é significativamente maior na Alemanha e na Holanda. Neles, são penalizados especialmente os os fenótipos asiático/indígena e o negro, com probabilidades médias de resposta positiva de 44%, em comparação aos 55% para candidatos idênticos brancos.
Em Espanha o nome também importa
Em Espanha, a situação é mais complexa. Primeiro, a taxa de resposta positiva para todos os grupos é muito mais baixa do que nos outros dois países, factor atribuído à maior taxa de desemprego. Depois, a diferença da probabilidade de discriminação entre brancos e não brancos é menor. Enquanto um candidato negro tem probabilidade de resposta positiva de 18%, esse número é de 22% para um branco.
"Em Espanha, em geral, há menos discriminação directa apenas pela aparência. Mas combinações particulares de fenótipo e ancestralidade podem gerar altas taxas de penalizações. Isso significa que uma mesma aparência tem efeito diferente a depender do nome ao qual está associada", explica Polavieja.
Por exemplo, a aparência de um candidato caucasiano de pele escura não tem impacto na decisão do empregador se a foto estiver associada a um nome europeu. Mas, se estiver associada um nome marroquino, isso gera alto índice de discriminação em Espanha.
Os autores concluem: recrutadores alemães e holandeses são mais claramente "fenorracistas", mais sensíveis à aparência, do que espanhóis, descritos como "etnorracistas". Na Alemanha e na Holanda, para todas as regiões de origem, existe uma hierarquia de cor. Brancos têm mais probabilidade de respostas positivas que caucasianos de pele escura, que têm mais possibilidades do que asiáticos/indígenas, os quais têm mais respostas positivas do que negros. Em Espanha, não funciona assim.
"É chocante que, no século XXI, o facto de ter uma pele mais clara ou mais escura desempenhe um papel", afirma o professor. "Para nós, o efeito mais importante desse estudo é despertar a consciência. Os europeus, ao menos a classe média europeia, tendem a acreditar que somos imunes a esse tipo de racismo. E os resultados da investigação mostram que, definitivamente, não somos."
A descoberta de dois padrões de discriminação na Europa é alvo de estudos futuros, mas os autores especulam que a explicação passa pelas diferenças nos legados coloniais, com mais miscigenação no caso dos espanhóis, e nas experiências dos regimes autoritários do século XX, com o papel da raça a ter sido mais fundamental no nazismo do que no fascismo espanhol.
O estudo foi baseado no envio de currículos fictícios para 12.783 vagas de trabalho em seis categorias – cozinheiro, cabeleireiro, vendedor de loja, recepcionista, contabilista e técnico de informática. Todos os candidatos eram novos europeus entre 22 e 26 anos, nascidos no continente de progenitores vindos de mais de 40 países. Assim que a primeira resposta era recebida, o teste chegava ao fim, para não prejudicar os processos de recrutamento.
Questionado se a exclusão da fotografia no currículo poderia diminuir o efeito do racismo nos processos selectivos, o investigador respondeu que, nos três países da experiência, os currículos sem foto foram os mais penalizados em termos de resposta positiva, independentemente do grupo de ancestralidade. "Não acho que banir a foto do currículo reduziria os níveis gerais de preconceito. Nos EUA, a foto não é anexada e há altos índices de discriminação baseados no nome."
Exclusivo PÚBLICO/Folha de S. Paulo
Nota do editor: o PÚBLICO respeitou a composição do texto original, com excepção de algumas palavras ou expressões não usadas em português de Portugal.