BES: defesa de Salgado insiste em perícia médica, juiz rejeita

Advogado do ex-banqueiro diz que a situação de saúde de Ricardo Salgado está a piorar. Juiz considera que questão “já foi apreciada e decidida”.

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Ricardo Salgado, em Outubro de 2017 Rui Gaudencio

O advogado de Ricardo Salgado, Adriano Squilacce, invocou irregularidades processuais para tentar adiar o debate instrutório do processo BES/GES e alegou que a situação clínica do antigo banqueiro, com doença de Alzheimer, tem de ser aferida através de uma perícia oficial antes de arrancarem as alegações nesta fase instrutória, para não afectar os direitos de defesa do arguido. A pretensão não teve sucesso, no entanto, dado que o juiz voltou a rejeitar este pedido.

Em causa está a fase prévia ao julgamento do processo principal do universo Espírito Santo (a investigação às irregularidades que levaram à queda do BES/GES), que está a decorrer esta terça-feira nas instalações do Tribunal Criminal de Monsanto, em Lisboa.

O juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), Pedro Santos Correia, rejeitou o novo pedido, considerando que não se referia a uma matéria nova. “A questão suscitada foi já apreciada e decidida”, afirmou, rejeitando haver qualquer violação constitucional de direitos de Ricardo Salgado. A sessão está a decorrer desde cerca das 10h15 e tem sido marcada por várias interrupções e momentos de pausa.

O debate instrutório é o momento da instrução em que as partes fazem as alegações finais para que o juiz pondere se o caso deve ou não seguir para julgamento em função dos indícios recolhidos.

Em Março, depois de a defesa de Salgado ter feito um pedido idêntico, o juiz já tinha decidido não avançar com uma perícia neste momento, considerando que a “situação clínica do arguido, a relevar, deverá ser ponderada em eventual fase de julgamento que venha a ocorrer”.

Na sessão desta segunda-feira, antes da abertura do debate instrutório, Adriano Squilacce voltou a tentá-lo, com um novo requerimento, sustentando que a situação clínica do arguido deve ser apreciada agora e não apenas no julgamento, porque o arguido “tem o direito inalienável” de produzir prova durante esta fase e, para isso, considera necessário que um serviço oficial de saúde faça uma perícia neurológica para verifica em que condição se encontra.

O advogado leu passagens de um relatório médico para descrever que a situação de saúde de Salgado se está a deteriorar, dizendo que tem sido referido pelos médicos o “agravamento significativo” do seu “estado de saúde global”, com um “agravamento da memória”, desequilíbrio e risco de queda, dificuldades em administrar a medicação e outras condições.

O advogado disse que o ex-presidente do BES “apresenta um defeito de memória e um defeito de funções”, sendo necessário que um serviço oficial de saúde avalie se o arguido tem alguma patologia de foro neurológico e, se sim, qual é. Para a defesa, os médicos devem aferir se a participação no debate instrutório está ou não afectada e se se afigura, ou não, que a situação esteja a agravar-se e que ela impeça participar no debate instrutório.

Depois de o advogado ter lido e entregado o requerimento, o juiz esteve alguns minutos a ler a petição e entregou cópias aos outros advogados para examinarem o pedido.

Após uma pausa dos trabalhos, a procuradora do Ministério Público considerou que o pedido suscitado por Salgado deveria ser rejeitado pelo juiz, porque já tinha sido decidido anteriormente. “Esta questão, independentemente do agravamento da situação de saúde do arguido, já foi trazida aos autos”. Como o pedido já tinha sido requerido e o assunto já tinha sido despachado, a procuradora disse que o Ministério Público não iria pronunciar-se sobre ela.

Nuno da Silva Vieira, advogado dos lesados do BES/GES, interveio para considerar que a questão reivindicada em nada fere os direitos de defesa de Salgado, considerando que o debate instrutório oral é cumprido materialmente pelos seus defensores.

Em sentido oposto, o advogado Rogério Alves, mandatário do arguido António Soares, considerou que o tribunal deveria “perceber se [em função da perícia, Ricardo Salgado], estando capaz de depor, deveria” ter “a possibilidade de o arguido se defender directa e pessoalmente”. Prevaleceu a posição do juiz, que já era conhecida.

Ricardo Salgado, que liderou o BES durante décadas até poucas semanas antes de a instituição financeira colapsar em 2014, está a ser julgado com mais de duas dezenas de arguidos. Trata-se do julgamento do processo principal do BES/GES, que agrega 242 inquéritos e ainda queixas de mais de 300 pessoas.

Em 2020, o MP deduziu acusação no processo principal pelos crimes de associação criminosa, corrupção activa e passiva no sector privado, falsificação de documentos, infidelidade, manipulação de mercado, branqueamento de capitais e burla qualificada contra direitos patrimoniais de pessoas singulares e colectivas.

O Ministério Público calcula que o produto de crimes e os prejuízos relacionados foram superiores a 11.800 milhões de euros.

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