Vem aí uma maratona com calor, pouca chuva e elevado risco de incêndio, avisa IPMA

Área ardida acumulada em 2023 já está acima da média dos últimos 16 anos (2006 a 2022), tanto em Portugal como na Áustria, Irlanda ou Espanha, refere o Ministério da Administração Interna.

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Visitante do evento Ovibeja refresca-se com bebida gelada no passado dia 27 de Abril, quando foram quebrados vários recordes de temperatura em Portugal LUSA/NUNO VEIGA

A Primavera quente, que trouxe temperaturas extremas na semana passada, não tem fim à vista. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) prevê, para os próximos meses, continuação de temperaturas elevadas, valores de precipitação abaixo do que é normal para a época e perigo de incêndio muito elevado.

Aquilo que está previsto até ao final do mês de Maio é que as temperaturas estejam acima do normal para esta época do ano, em particular nas duas primeiras semanas, com anomalia positiva dessa temperatura no interior do território continental, afirma ao PÚBLICO Nuno Lopes, responsável da área técnica de previsão meteorológica do IPMA. Nuno Lopes apresentou as previsões meteorológicas esta terça-feira numa reunião sobre a seca hidrológica, em que estiveram presentes responsáveis dos ministérios do Ambiente, Administração Interna e Agricultura.

O presidente do IPMA, Miguel Miranda, adiantou à Lusa, no final da reunião, que o objectivo não é ser alarmista, mas realista e agir preventivamente. “A situação não é de dramatismo, temos de ver as coisas com serenidade, mas com antecipação. Desde Fevereiro que temos pouca precipitação. A probabilidade de precipitação daqui até ao Verão é baixa e, portanto, vamos ter tensão em muitas áreas – no ambiente, no abastecimento, nas barragens, nos fogos. É muito importante que se compreenda agora que vamos ter uma maratona e não uma corrida de 100 metros para chegarmos a Setembro, Outubro melhor do que no ano passado”, disse Miguel Miranda.

Miguel Miranda salientou que o perigo de incêndio vai ter valores elevados, frisando que deve ser feito um esforço de preparação para o Verão quente e seco que vem aí. “Tem de se avançar com medidas estruturais. Não podemos deixar para o fim para implementar medidas que envolvem políticas, mas também [comportamentos] dos cidadãos”, disse.

No que toca à ocorrência de chuvas, podemos contar com um mês de Maio com valores de precipitação abaixo do que é normal para a época. Mas isso não significa ausência de chuva. Esta semana não temos chuva, mas, na próxima semana, na zona do litoral norte, podemos ter chuva todos os dias até ao fim-de-semana – portanto, a percepção de um mês sem chuva não é inteiramente verdade. Para o resto do mês, a precipitação estará abaixo do que é usual, confirma Nuno Lopes ao PÚBLICO.

Riscos de incêndio

Um dos indicadores mais preocupantes foi o da área ardida acumulada em 2023, que está acima da média dos últimos 16 anos (2006 a 2022), tanto em Portugal como na Áustria, Irlanda ou Espanha, refere um comunicado de imprensa divulgado pelo Ministério da Administração Interna após a reunião.

Estamos a conjugar esforços para respondermos, adaptarmo-nos. Em relação aos picos de calor como os que estamos a ter, a Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil determinou a constituição de 40 equipas, mais de 200 elementos que estão preposicionados no território para se mobilizarem devido ao risco elevado de incêndio, afirmou o titular do Ministério da Administração Interna, José Luís Carneiro, citado na nota de imprensa.

Relativamente ao fim do prazo para a limpeza de terrenos, tendo em vista a prevenção de incêndios, José Luís Carneiro afirmou que “as pessoas devem dirigir-se às câmaras municipais, aos serviços municipais de protecção civil, devem dirigir-se aos corpos de bombeiros e procurarem manter trabalhos de limpeza, sempre acompanhados por equipas de protecção civil municipal ou bombeiros, para que o possam fazer salvaguardando as suas vidas e património”.

Além de responsáveis do IPMA, a reunião contou com a presença do ministro da Administração Interna, do ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, da ministra da Agricultura e da Alimentação, Maria do Céu Antunes, do presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil (ANEPC), Duarte Costa, e do presidente do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), Nuno Banza.

Recordes de temperatura

O mês de Abril figura entre os cinco mais quentes desde 1931, tendo apresentado três ondas de calor (com temperaturas superiores a 30 graus), o dia mais quente dos últimos 16 anos e uma anomalia térmica à superfície e o mais severo em termos de risco de incêndio desde 2003.

Dia 27 de Abril, a estação meteorológica de Mora, no Alentejo, assinalou um novo valor máximo absoluto de temperatura do ar para o mês em Portugal continental: 36,9 graus Celsius. Este registo veio quebrar um recorde com 78 anos, uma vez que a temperatura máxima registada até então para o período era de 36 graus, tendo sido verificada em Pinhão, em Alijó, no dia 20 de Abril de 1945.

No mesmo dia, outras cinco localidades registaram temperaturas acima dos 36 graus: Amareleja (36,7 graus Celsius), Neves Corvo (36,5 graus), Alcácer do Sal (36,3 graus), Alvalade/Sado (36,2 graus) e Portel (36,1 graus).

A seca a agravar-se

Esta Primavera destaca-se não só pelas altas temperaturas, mas também pela falta de chuva. A percentagem de água no solo é quase nula em várias zonas de Trás-os-Montes, no centro e Sul do continente”, refere a nota de imprensa, com 89% do território em situação de seca e 34% em seca severa e extrema (Alentejo e Algarve).

O boletim climatológico do IPMA de Março já referia que, a 31 de Março, 48% do território português encontrava-se em estado de seca hidrológica, sendo os distritos de Setúbal e Beja os mais afectados, classificados como numa situação “severa”. E esta situação de seca vê-se do espaço. O boletim de Abril ainda não está disponível.

O problema não é apenas português: a seca afecta outros países como a Espanha, França, Itália, Grécia e Turquia, bem como várias ilhas mediterrânicas.​ Dados do Observatório Europeu da Seca (EDO, na sigla em inglês) revelam que mais de 28% do território analisado — ou seja, a Europa até à Turquia e ao Cáucaso, tal como a costa do Magrebe — encontrava-se em estado de seca de 1 de Abril a 10 de Abril passado.

Samantha Burgess, subdirectora do Serviço Copérnico para as alterações climáticas, já havia alertado para este problema durante a apresentação do relatório anual daquele programa europeu de observação terrestre. Nessa ocasião, a responsável avisou que os países mediterrânicos – Portugal incluído – “tendem a continuar a enfrentar condições de seca esta Primavera e no Verão também”. “Os solos nos países mediterrânicos estão incrivelmente secos”, afirmou a cientista. “Muito provavelmente, vamos ter uma colheita agrícola reduzida este ano.”