Carestia de habitação
O Governo anunciou medidas para, de forma rápida, resolver o problema da habitação. Os disparates foram imensos, mas as críticas, de todos os quadrantes, também não abordam as questões fundamentais.
Nos anos 80 do século passado faltava habitação para cerca de 40% dos portugueses. Anos depois, com o “boom” da construção que dinamizou fortemente a atividade económica do país, designadamente com as remessas de capital dos emigrantes, já as estatísticas referiam um excedente de habitação.
E atualmente, fruto de uma conjuntura de desenvolvimento económico rara, a que não é alheio o turismo – justificado pelo clima e pela gastronomia, bem como pelo acolhimento –, mas também pelas condições de acesso ao crédito e à crescente imigração, a escassez de habitação é novamente muito forte.
Ora, o Governo anunciou uma série de medidas que pretende pôr em prática para, de forma rápida, resolver o problema. E os disparates têm sido imensos, mas das críticas que têm chegado, de todos os quadrantes, também não tenho visto serem abordadas questões fundamentais para a sua resolução.
É certo que algumas delas poderão minimizar o problema no imediato, mas não tenho ouvido nada que encaminhe para o sanar do problema a longo prazo.
Desde logo a falta de uma política de criação de habitação a custos controlados. Ligado que estou ao setor, enquanto engenheiro civil, noto que a generalidade dos empreendimentos em curso é de gama média/alta, sobretudo na promoção de habitação coletiva. Claro que este enquadramento resulta sobretudo da riqueza criada durante a última crise económica, em que, como noutras, quem é rico se torna mais rico e quem é pobre fica ainda mais pobre.
Mas há ainda os fatores diretamente associados às políticas de definição do modo e técnicas de construção, que embora pensadas para melhorar a sustentabilidade ambiental, designadamente a poupança de energia e a melhoria das condições de conforto, tiveram por base um modelo académico bem elaborado cientificamente mas não devidamente testado. Por força da minha atividade profissional bastante abrangente, de projeto, mas também de construção de iniciativa privada, nova ou de reabilitação, tenho-me deparado com dificuldades tremendas ao nível do cumprimento da legislação, designadamente do Regulamento das Caraterísticas de Comportamento Térmico dos Edifícios.
Dito de forma simples, o cumprimento dos requisitos mínimos acarretam a aplicação de técnicas, de materiais e de equipamentos com custos tão elevados que dificilmente podem vir a ser amortizados em período razoável; isto apesar do anunciado pelas regras e pelas próprias formas de cálculo, que apontam o contrário.
Dê-se nota que a ficha-tipo do Certificado Energético exigido para qualquer transação ou arrendamento se arroga o cálculo de estimativas de poupança associadas à introdução de melhorias na construção que na realidade são uma falácia.
Dou como exemplo o último investimento que fiz, de substituição de caixilharias numa habitação com várias décadas de existência, em que apliquei a solução de maior eficiência possível, e por isso mais cara, em alumínio, com bons resultados em termos de ganho energético, mas com que, na hora de me candidatar ao Fundo Ambiental, a classificação energética não atingia a Classe “A+ ou superior” que o Programa exige, assim ficando impossibilitado de receber a taxa de comparticipação, possível, de 70%. Terá que acrescentar-se que tal “classe” só se atinge com aros em PVC, cujo custo é de cerca de 30% superior aos da “série” que utilizei em alumínio. Ora como o limite do subsídio é de 1500 euros e o diferencial no investimento era superior a tal, não se justificava a subida de escalão.
É claro que estou bem servido, mas não foi o estímulo do apoio que me fez tomar a decisão, pois a relação preço/eficiência da opção que fiz é bem melhor que a hipoteticamente financiada, que só o seria se viesse a ter cabimento nos “plafonds” definidos.
Mas passemos a outra questão crucial. Toda e qualquer promoção imobiliária, de raiz – privada, porque do Estado quase não existe – necessita de terreno. Terreno este que a tal terá que estar destinado no Plano Diretor Municipal do respetivo município. Que, por razões mais que naturais, respeita uma série de regras, tentando poupar os solos necessários à agricultura e à produção florestal, para além da salvaguarda dos espaços naturais, que devem ser preservados, quer por razões ecológicas quer de segurança.
Mas que é indispensável para a construção de habitação.
Estas áreas destinadas nos Planos Diretores para construção surgem agrupadas em duas grandes categorias, de “solo urbano” e de “solo de urbanização programada”. Mas esta segunda classe, defendem as políticas governamentais mais recentes, deverá ser reduzida nas próximas revisões dos planos na ordem dos 30%, indo precisamente no sentido contrário ao necessário para a promoção da habitação.
Com a agravante de que, sendo estas iniciativas do foro privado, de acordo com a máxima comercial que tem por base a relação oferta/procura, quanto menor for a oferta maior será o custo do terreno, refletindo-se este no custo final da habitação com um peso enorme.
Será de referir que de acordo com as regras para avaliação de solo destinado a construção (Código das Expropriações, p. ex.), o terreno terá um máximo de 15% do valor final do edificado, se o prédio não tiver infra-estruturas, e de cerca de 25% se dispuser de todas elas. Ora, na realidade do mercado, este “peso” do valor do solo atinge já valores da ordem dos 30 e até 40%.
Complementarmente, e aqui dependendo das políticas municipais, os planos definem índices de construção para as várias categorias de solos, estes com variações enormes de município para município, havendo os que os fixam, em zonas de baixa densidade, em 30% ou até menos.
Quer isto dizer, usando um exemplo elementar, que, para a construção de uma moradia isolada com 150 m2 de área bruta, é necessário ter um terreno com 500 m2 (500 x 0,30 = 150). Ora, se a construção tiver dois pisos, com 75 m2 cada, o terreno só será fisicamente ocupado naqueles 75 m2, ficando os restantes 425 m2 para horta ou jardim.
A solução é estética e ambientalmente agradável, mas não resolve o problema da habitação. O mesmo acontecendo em edifícios de habitação coletiva, em que os índices de construção serão superiores, mas em que o efeito é similar.
E não advogo a massificação das zonas urbanas, bem pelo contrário, mas ou se liberta/ocupa solo ou se aumenta o índice de construção – não há 3ª via.
Sendo que este tipo de decisões cabe apenas à tutela, nunca aos particulares, à custa de quem o Governo está a tentar resolver o problema no imediato. Isto é, “planear é pensar a longo prazo”, não com remendos.
Por outro lado, há outra premissa importante, que o Governo terá que assumir em plenitude, que é a do alojamento estudantil.
Em lugar de subsidiar o arrendamento familiar, sobretudo contrariando a vontade de quem tem casas devolutas, o Governo tem à mão uma “ferramenta” eficaz para fazer baixar a renda média, com investimento controlável, programável e até rentável, pois com a diminuição da procura de quartos para estudantes nos edifícios particulares, a relação oferta/procura baixará na proporção direta do investimento feito.
Assim se controlando a especulação, o risco de subsídios mal atribuídos e, mais importante, se aliviará o orçamento familiar dos estudantes e dos agregados familiares carecendo de casa arrendada, em que se incluem imensas famílias com necessidade de segunda habitação, como professores, médicos, enfermeiros, magistrados, etc.
Resumindo, melhor planeamento urbanístico, sem falsos pruridos, estímulo à construção a custos controlados, p. ex. através de benefícios fiscais, quer aos promotores quer aos compradores, uma revisão “ajuizada” das exigências de construção, ao nível energético mas também ao do licenciamento, que está extremamente burocratizado, mais a construção de residências universitárias em quantidade, e teremos boa parte do problema da habitação resolvido.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico