No Sudão crescem a violência, a fome e o receio da reabilitação de Bashir

Exército sudanês confirmou que transferiu o antigo ditador e alguns aliados da prisão para um hospital militar antes do início dos confrontos com as RSF.

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Omar al-Bashir governou o Sudão durante 30 anos e foi deposto em 2019 Reuters/MOHAMED NURELDIN ABDALLAH

O Exército sudanês e os paramilitares das Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês) envolveram-se em combates nesta quarta-feira nos arredores da capital do Sudão, violando uma trégua acordada das hostilidades, num conflito que os grupos pró-democracia temem que possa reavivar a influência do ditador Omar al-Bashir e dos seus apoiantes.

Contribuindo para aumentar as preocupações sobre a potencial reabilitação do ditador deposto em 2019, o Exército confirmou que este foi transferido da prisão de Kober, em Cartum, para um hospital militar, juntamente com pelo menos cinco dos seus antigos aliados, antes de o conflito ter começado, no passado dia 15 de Abril.

Os ataques aéreos e de artilharia que estão a ser levados a cabo no Sudão mataram pelo menos 512 pessoas, feriram perto de 4200, destruíram hospitais e limitaram a distribuição alimentar, agravando ainda mais a situação num país em que pelo menos um terço da sua população, de 46 milhões, já estava dependente de ajuda humanitária.

Os estrangeiros que fugiram de Cartum falam em corpos espalhados pelas ruas, em edifícios a arder, em áreas residenciais transformadas em campos de batalha e em jovens a deambular pelos escombros com longas facas.

A Organização Mundial de Saúde diz que apenas 16% dos serviços de saúde estão a funcionar na capital e prevê “muitas mais mortes” devido a doenças e à escassez de bens alimentares, água e medicamentos.

No último fim-de-semana, milhares de presos foram libertados após incursões das RSF em várias cadeias do país, incluindo um antigo ministro do Governo de Bashir que, tal como ele, é procurado e acusado de crimes de guerra pelo Tribunal Penal Internacional.

O “reinado” de três décadas de Bashir chegou ao fim há quatro anos depois de uma insurreição popular. O ex-ditador, de 79 anos, tem estado na prisão desde essa altura – com algumas passagens por hospitais –, devido a acusações relacionadas com o golpe militar de 1989 que o levou ao poder.

“Esta guerra, que foi inflamada pelo regime deposto, vai levar o país ao colapso”, alertaram as Forças de Liberdade e de Mudança (FCC), principal grupo político que apoia o plano de transferência do poder dos militares para a população civil.

A implementação desse plano foi estilhaçada pelo início dos combates entre o Exército e as RSF. As duas partes, assim com as FCC, falharam o prazo de Abril para lançar a transição para a democracia, em grande medida por causa de divergências sobre a incorporação dos paramilitares nas Forças Armadas.

Grupos civis acusam os apoiantes de Bashir de usar o conflito para encontrar um caminho de regresso ao poder. As RSF – cujo líder, o general Mohamed Hamdan Dagalo, subiu na hierarquia do poder com Bashir, antes de o abandonar – opõem-se firmemente aos islamistas que apoiaram o antigo autocrata.

Os combates “não vão resolver as principais questões que as partes civis e militares estavam a tentar resolver através do processo político, especialmente as reformas securitárias e militares (…) tendo em vista um único Exército profissional”, dizem as FCC, num comunicado.

As batalhas que foram retomadas esta quarta-feira tiveram sobretudo lugar em Omdurman, uma das “cidades-gémeas” de Cartum, onde o Exército combate os reforços que as RSF mobilizaram de outras regiões do Sul do Sudão.

Após pressão diplomática dos EUA e da Arábia Saudita, as partes em conflito tinham acordado um cessar-fogo de três dias, com previsão para terminar no final do dia de quinta-feira. O Exército acusa, no entanto, o seu adversário de se ter aproveitado da trégua para reabastecer as suas fileiras, com homens e armas.