Movimento pela Habitação: ilha no Porto só deve ser desocupada “com ordem do tribunal”
Seis famílias que ocupam as casas, em Ramalde, tinham indicações dos donos para abandonarem o imóvel até esta segunda-feira. Acabou por não acontecer. Moradores continuam à procura de uma solução.
O prazo para seis famílias desocuparem as casas onde moram com autorização da proprietária original, de forma graciosa, numa ilha de Ramalde, terminou esta segunda-feira. No final da semana passada, os moradores, ainda sem conseguirem garantir alternativa de alojamento - mesmo que já tivessem, na maioria dos casos, visto por mais do que uma vez negada candidatura a habitação camarária -, temiam ser despejados. Não foram desta vez, mas o receio não desapareceu.
Os actuais donos do conjunto habitacional situado na zona de Pereiró, no Porto, cuja posse foi transmitida por herança, tinham estipulado um prazo de 15 dias para que as habitações fossem desocupadas e asseguraram que seria para cumprir. Só que a organização Habitação Hoje!, criada para apoiar, entre outros, casos como este, defende que os despejos não podem ser realizados de ânimo leve: a desocupação, sublinham, só deve ser feita "se houver ordem do tribunal".
Ainda não há ordem judicial e, no dia em que o prazo dado pelos proprietários terminou, não houve qualquer avanço para os despejos. Ao PÚBLICO, um dos proprietários diz agora não saber quando vai poder avançar com a desocupação do imóvel.
Com a vida suspensa continua quem submeteu nova candidatura à Domus Social para requerer habitação social: ganharam mais algum tempo, mas continuam à espera de resposta ao pedido.
Não é a situação ideal para nenhuma das partes. Os proprietários, depois de terem demolido parte dos anexos que não constam na planta topográfica, querem limpar o entulho que sobrou e ainda permanece amontoado no pátio da ilha – eventualmente, mais alguns anexos ilegais poderão vir a ser demolidos. Os moradores, na maioria desempregados e dependentes do Rendimento Social de Inserção (RSI), lutam pelo acesso à habitação que lhes é prometido pela Constituição portuguesa.
Ao PÚBLICO, na semana passada, quem ali vive dizia não ter qualquer interesse em resistir à saída da ilha que ocupam há vários anos de forma consentida pela proprietária que, entretanto, morreu. A passagem da posse para os filhos do aglomerado de casas historicamente associadas ao operariado portuense do século XIX abriu a porta de saída para a rua a mais de uma dezena de pessoas. Ainda sem saberem ao certo qual será o seu destino – se o imóvel será vendido ou não – os donos iniciaram uma nova etapa que passou pelas demolições e passará pela desocupação das casas.
Compreendendo essa situação, seis famílias pedem apenas que lhes seja proporcionada a hipótese de terem acesso a uma casa para onde se possam mudar com preços que possam pagar. O futuro, acreditam, deveria passar por um apartamento num bairro da câmara. Só que ainda não conseguiram atingir esse objectivo, apesar de acreditarem fazer parte de um quadro condicente ao que é esperado existir para se poder usufruir do apoio.
Contudo, esse não tem sido o entendimento da empresa municipal Domus Social. Na semana passada, a Câmara do Porto dizia ao PÚBLICO que as candidaturas realizadas pelos moradores “não foram admitidas por não atingirem a pontuação mínima na matriz de classificação que avalia e pondera a situação socio-habitacional dos agregados familiares”.
Sem existir uma solução definitiva para os moradores, a desocupação do imóvel seria levada a cabo nesta segunda-feira. Acabou por não acontecer. E não acontecerá sem que exista uma ordem judicial, assegura a Habitação Hoje!, mesmo não existindo contratos de arrendamento. Bernardo Alves, membro da organização que também presta apoio jurídico a casos como este, garante: “Ninguém pode fazer nada que seja intrusivo para com outra pessoa sem existir um processo no tribunal. Não se pode exercer justiça pelas próprias mãos. É um dos fundamentos do Estado de Direito. Portanto, é preciso um processo no tribunal para se poder tirar de lá as pessoas.”