Depois de criticar os EUA, Lula vai receber Lavrov

Chefe da diplomacia russa vai visitar vários países latino-americanos alinhados com Moscovo. Em Abu Dhabi, Lula disse que a decisão de iniciar a guerra na Ucrânia “foi tomada pelos dois países”.

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Lavrov inicia no Brasil um périplo por vários países latino-americanos Reuters/RUSSIAN FOREIGN MINISTRY

O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, é recebido nesta segunda-feira pelo Presidente Lula da Silva e pelo seu homólogo, Mauro Vieira, em Brasília, onde pretende dar início a um périplo diplomático por vários países latino-americanos nos próximos dias.

A visita do chefe da diplomacia russa tem o objectivo declarado de reforçar a ideia de que Moscovo não está isolada a nível internacional por causa da invasão da Ucrânia e que mantém boas relações com o chamado “Sul global”. O Ministério dos Negócios Estrangeiros russo definiu a América Latina como “uma região amigável” e “um dos centros de formação do mundo multipolar” no comunicado em que anunciou as visitas de Lavrov.

Para além do Brasil, o ministro russo vai ser recebido na Venezuela, Nicarágua e Cuba nos próximos dias. Mas é o encontro em Brasília que possui um valor acrescentado para o Kremlin. Se a Venezuela, Nicarágua e Cuba são regimes vistos como hostis e antidemocráticos pelos EUA e os seus aliados, o Brasil é encarado como um actor regional relevante e uma recepção de alto nível a um dirigente russo é entendida como uma importante fonte de legitimação.

“Moscovo encara o Presidente Lula como um activo valioso, um potencial porta-voz dos ‘três quartos da população mundial que rejeitam o diktat dos EUA’, como os veículos de propaganda do Kremlin repetem incansavelmente para as plateias do seu país”, escreve na Folha de S. Paulo o jornalista e analista russo Konstantin Eggert.

Desde que as tropas russas invadiram a Ucrânia, os EUA, a União Europeia e outros aliados ocidentais impuseram vários pacotes sucessivos de sanções económicas, com o objectivo de enfraquecer a capacidade militar russa, e cortaram os principais laços diplomáticos com o Kremlin.

No último ano, parte das estratégias da Rússia e dos aliados de Kiev tem sido a de tentar alargar os respectivos campos de apoio junto de países que se têm posicionado de forma ambivalente. O Brasil, tal como a Índia, por exemplo, é um dos casos em que essa tentativa de manter alguma neutralidade é mais evidente.

Na visita recente à China, o Presidente Lula da Silva voltou a responsabilizar os EUA e os seus aliados pela manutenção do conflito e esquivou-se a condenar abertamente Moscovo pela invasão. “É preciso que os Estados Unidos parem de incentivar a guerra e comecem a falar em paz. É preciso que a União Europeia comece a falar em paz para que a gente possa convencer o [Presidente russo, Vladimir] Putin e o [Presidente ucraniano, Volodymyr] Zelensky de que a paz interessa a todo mundo e a guerra só está interessando, por enquanto, aos dois”, afirmou Lula.

Já no domingo, numa visita aos Emirados Árabes Unidos, o Presidente brasileiro voltou a sugerir que tanto a Ucrânia como a Rússia estão interessadas em manter o conflito, dizendo que a decisão de iniciar a guerra “foi tomada pelos dois países”.

“O Presidente Putin não toma a iniciativa de parar [a guerra]. Zelensky não toma a iniciativa de parar. A Europa e os Estados Unidos continuam contribuindo para a continuação desta guerra”, afirmou Lula em Abu Dhabi.

O Presidente brasileiro também tem criticado o fornecimento de armas à Ucrânia e recentemente rejeitou um pedido da Alemanha para enviar munições.

A posição ambivalente do Brasil sobre a guerra tem causado preocupação junto das autoridades norte-americanas, que esperavam maior apoio de Lula, retribuindo o que consideram ter sido um forte respaldo dado pela Administração de Joe Biden na defesa das instituições democráticas durante as eleições do ano passado.

“Onde estavam a China e a Rússia quando a democracia brasileira estava em perigo?”, questionou uma fonte diplomática norte-americana, citada pelo site G1.

Na visita a Pequim, Lula também lançou outras críticas fortes aos EUA, sobretudo à hegemonia do dólar como moeda usada para transacções nos mercados internacionais. “Quem é que decidiu que era o dólar a moeda depois de o ouro ter desaparecido como paridade?”, questionou o Presidente brasileiro durante o encontro com Xi Jinping.

Tanto a China como a Rússia são importantes parceiros comerciais do Brasil, mas é comum que os governos brasileiros tentem adoptar posições geralmente não alinhadas em questões geopolíticas.

Para o Itamaraty, como é conhecido o Ministério dos Negócios Estrangeiros brasileiro, a posição brasileira acerca da guerra na Ucrânia é equilibrada e está conforme a tradição do Brasil em não tomar partido em grandes temas internacionais, com o objectivo de poder manter-se independente e agir como mediador.

Lula tem sugerido a criação do chamado “grupo da paz”, com o intuito de reunir um conjunto de países não envolvidos directamente no conflito, e que inclui a China, os EUA e a Índia, entre outros.

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