Ir além da manipulação nos processos participativos

O poder cidadão acontece quando existe delegação de poder nos cidadãos, quando estes são chamados para processos de colaboração e co-decisão, substituindo parcialmente os políticos eleitos.

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Megafone P3: Ir além da manipulação nos processos participativos Dylan Gillis/Unsplash

Algures nos anos 1960, Arnstein desenvolveu o conceito de escada da participação. Podemos traduzir e dividir essa escada em três estados gerais com os seus devidos patamares: manipulação, controlo intermédio e poder cidadão. Para atingir o estado mínimo de controlo intermédio, quando os cidadãos não estão a ser manipulados, é necessário criar sessões de informação e consulta.

De notar que as sessões de apresentação de decisões e projectos entram na manipulação, pois são sessões em que os decisores (habitualmente políticos) utilizam para justificar e convencer, não havendo abertura para modificar o que foi previamente decidido. Por outro lado, o poder cidadão acontece quando existe delegação de poder nos cidadãos, quando estes são chamados para processos de colaboração e co-decisão, substituindo parcialmente os políticos eleitos.

Toda esta introdução para falar de cidadania participativa. A escada de participação de Arnstein, apesar das evoluções conceptuais e práticas, continua a ser um guia importante. Deveria ser um dos instrumentos básicos da cidadania porque as manipulações continuam a existir de forma disfarçada. Ou seja, convidar cidadãos para reuniões por si só não significa que se esteja a incentivar a cidadania activa. Muito pelo contrário, pode ser uma forma de a destruir e reforçar uma ideia ou poder.

As pessoas até podem vir voluntariamente, participar e ficar convencidas, mas se for uma atitude passiva apenas se reforça a inutilidade da participação, pois ninguém pode contribuir positivamente com nada mais. Por outro lado, se nessas sessões de convencimento ficar patente que tudo já está decidido previamente e que a participação é inútil, constrói-se a ideia de que a participação é tão somente isto: ser ou não convencido de algo.

Arnstein explica-nos que a verdadeira participação só acontece quando os participantes podem interagir e influenciar os resultados. Tudo o resto é manipulação. E quanto mais alto se tenta subir na escada, cada vez mais poder de decisão têm os cidadãos, mais complexos se tornam os processos. Considerar que uma mais profunda participação é impossível é o caminho mais fácil, pois para se atingirem esses graus de envolvimento e colaboração é necessário recorrer a processos próprios. Acima de tudo têm de ser relativamente longos, para que possam ter processos de aprendizagem associados.

Decidir de forma leviana leva ao falhanço de um processo participativo e ainda mais a um colaborativo. Quando estamos a falar de assuntos complexos é necessário perceber as razões dos problemas e os efeitos das soluções, compreender também porque algumas pessoas, representantes e instituições defendem certas opções. Ir além das soluções óbvias e perceber os efeitos combinados é imperativo. Isto exige conhecimentos técnicos e capacidade de facilitação das interacções humanas, registos e documentação precisa para que seja transparente e claro quais os custos e consequências.

Por isso, quando vos descrevem que um processo é participativo, que vão colaborar, tentem perceber como será efectivamente esse processo, pois podem ser apenas adjectivos de iniciativas para vos manipular. Quem o diz é a Sherry Arnstein.

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