Edgar Martins seguiu os passos do amigo morto na Líbia — e ganhou os Sony Awards
O projecto Our War, que lhe valeu a vitória no concurso, é uma homenagem ao amigo Anton Hammerl, fotojornalista que foi sequestrado e morto, em 2011, durante a guerra civil líbia.
O artista plástico e fotógrafo português Edgar Martins ganhou a distinção de Fotógrafo do Ano da 16ª edição do concurso Sony World Photography Awards. O projecto Our War parte da busca dos restos mortais do seu amigo fotojornalista freelancer sul-africano Anton Hammerl na Líbia, o país onde, em 2011, perdeu a vida enquanto documentava a guerra civil.
Edgar Martins, que foi premiado pelo mesmo concurso em 2018 com o projecto Silóquios e Solilóquios sobre a Morte, a Vida e outros Interlúdios na categoria Natureza Morta, iniciou este trabalho pouco depois dessa data, há cerca de quatro anos. Passou o tempo necessário a preparar a viagem à Líbia, a encontrar os contactos no terreno que lhe permitissem percorrer os caminhos por onde andou o seu amigo fotógrafo e reconstituir o percurso que este fez até ser morto em circunstância ainda desconhecidas. Anton era um fotógrafo sul-africano que tinha deixado o seu país, por razões de segurança, devido aos elevados níveis de criminalidade, e se tinha radicado em Londres com a família.
Na capital britânica, Anton fez vários trabalhos como freelancer, até se deparar com a ideia de partir para a Líbia, para cobrir o conflito naquele país como fotojornalista, por achar que o mesmo não era demasiado perigoso, quando comparado com outros cenários de guerra. Aconteceu o contrário.
O amigo Edgar quis encontrar o seu corpo e descobrir o contexto em que foi morto, apesar da família de Anton lhe ter pedido que não o fizesse. Fez os mesmos percursos de Anton e encontrou pessoas que o conheceram. Retratou esses momentos com pessoas que batalharam em campos opostos. “Foi como se tivesse criado pequenos grupos de reconciliação” entre pessoas que tinham sido inimigas, explicou ao PÚBLICO, em Londres, na Somerset House, onde estão expostos os trabalhos da edição dos Sony World Photography Awards deste ano.
O que encontrou, durante a sua busca por respostas, foi um submundo de fotografias do conflito, partilhadas na darkweb, onde o macabro é partilhado: fotografias de mutilações, de corpos e de material de origem forense. A experiência, o seu trabalho de procura, vai ser transformado numa exposição imersiva que Edgar Martins quer montar no próximo ano.
Parte dessa exposição irá incluir as fotografias candidatas a este concurso, o maior à escala mundial, por “ser a melhor forma de divulgar o seu trabalho” nesta primeira fase. Mas a exposição do próximo ano incluirá material sonoro, multimédia, mobiliário e objectos recolhidos durante a busca pelo corpo de Anton na Líbia, numa perspectiva e reflexão mais alargada, que corresponde ao trabalho artístico que Edgar Martins tem realizado nos últimos anos - centrado, sobretudo, nas temáticas da morte e da ausência.
O prémio atribuído pela Sony World Photography Awards tem um significado especial para o artista português que cresceu em Macau. "É uma enorme honra ser reconhecido", lê-se no comunicado que a organização do concurso dirigiu ao P3, onde Edgar partilha declarações face à sua vitória: "É uma experiência bastante emocional, porque homenageio o meu amigo num palco mundial e chamo a atenção para as dificuldades da família em encontrar os seus restos mortais." com Ana Marques Maia