Imigrantes brasileiros queixam-se de terem sido vítimas de burla
Alguns pagaram bilhetes para Lisboa, que só no aeroporto perceberam serem falsos, tendo de comprar novos. Outros chegaram a fazer empréstimos para pagar à alegada burlona, que prometia tratar de tudo.
Dois imigrantes brasileiros entregaram milhares de euros das suas poupanças a uma compatritota a residir em Portugal, que lhes prometeu casa, documentos e até carro, mas quando chegaram a Lisboa nada tinham e agora avançam para a justiça. Asseguram que há mais imigrantes vítimas de burla, com vergonha ou medo de dar a cara.
Duas destas alegadas vítimas de burla aceitaram dar a cara e nome e falar com a Lusa. Contam que alguns pagaram até passagens para Lisboa, que só no aeroporto de partida perceberam serem falsas, tendo de comprar novos bilhetes, porque "voltar para trás já não dava", depois de terem vendido quase tudo para emigrarem.
Outros chegaram a contrair empréstimos para entregar nas mãos da sua compatriota que tinham conhecido através do Facebook ou por referências de pessoas próximas.
A pessoa de quem se queixam é a mesma, alguém que os tratava muito bem por telefone, também imigrante brasileira em Portugal, que parecia "mesmo confiável", porque até videochamadas fazia, com senhorios presentes e vendedores de stands de automóveis.
"Eu vendi carro, vendi moto e fiz empréstimo também, para dar dinheiro para ela, que estou pagando ainda em 12 vezes", conta Clezes Lima de Matos, 32 anos, de nacionalidade brasileira, que chegou a Portugal a 12 de Outubro de 2022 com as duas filhas menores, ainda convencida que tinha casa alugada na Golegã para morar com as duas crianças, até o marido chegar também.
Clezes viajou do Equador, país do marido, onde vivia há alguns anos e quando chegou ao aeroporto para partir para Lisboa soube pelos serviços da companhia aérea que a passagem que tinha comprado à sua compatriota era falsa.
Mesmo assim comprou viagens novas para ela e para as filhas de ida e volta, porque ainda acreditou que pelo menos a casa teria quando chegasse.
"Para você ter uma ideia o meu código era o mesmo da passagem do Valdecir", afirmou a imigrante, referindo-se a um outro imigrante brasileiro que também se queixou de ter sido burlado pela mesma pessoa e aceitou dar a cara e o nome para denunciar a situação à Lusa e ser testemunha de Clezes no seu processo na justiça portuguesa.
"Eu vim porque eu já estava toda planeada e tinha a casa, supostamente, que seria na Golegã. (...) Jamais imaginei que alguém poderia fazer isto com uma mãe, com uma filha autista, em busca de uma vida melhor", frisou.
Só que quando a mãe e as duas filhas chegaram a Lisboa não tinham ninguém à espera no aeroporto. Quando Clezes percebeu que a passagem que tinha era falsa entrou em contacto com a alegada burlona a pedir que esta lhe devolvesse o dinheiro, incluindo o da caução da casa. Mas "ela bloqueou-me", contou à Lusa.
Segundo aquela imigrante brasileira, a última mensagem que recebeu da mulher de quem se queixa e de quem tem documentos que comprovam o seu envolvimento no processo migratório, foi a dizer para ter cuidado porque "não sabia com quem estava mexendo", concluiu.
Assim, acabou a pedir casa ao amigo e ajuda à Cruz Vermelha e à Segurança Social em Portugal. Agora, vive num quarto alugado em Santarém com as duas filhas e ainda com ajudas, lugar onde recebeu a Lusa e se disponibilizou para contar toda a história, mostrando papéis.
Segundo Clezes, a imigrante brasileira que conheceu no Facebook, e em quem depositou tanta confiança, terá "sumido" para a Bélgica, onde o marido trabalha e vive.
Ao todo, disse que passou para as mãos daquela compatriota "2650 euros" antes de deixar o Equador. Daquele valor, assegura que até agora não recuperou nada e que até a polícia portuguesa lhe retirou as esperanças de que seja recuperável.
Segundo a imigrante brasileira, foi precisamente por querer ter uma emigração bem planeada que decidiu contratar alguém para tratar de tudo em Portugal e escolheu aquela pessoa porque ela "passava segurança, tirava fotos de famílias já aqui estabilizadas", explicou.
Assim, em Julho do ano passado, Clezes começou a falar com a compatriota e, no mesmo mês, fez-lhe os primeiros pagamentos para que a assessorasse e lhe tratasse da documentação.
"Ela dava até o nome de pessoas, que nem sabiam do crime que ela estava cometendo, para receberem o dinheiro por ela", afirmou Clezes, que, no entanto, sempre fez questão de "pagar no nome" da alegada burlona, começando por uma quantia de 350 euros para assessoria.
"Depois disso, ela chegou a pedir-me 6000 euros" para cauções e renda de casa, disse. "E eu só não dei porque não tinha, senão teria dado, e aí eu depositei só os mil, que seria só uma caução e um aluguer e também 300 euros para a carta convite que ela vende".
Após estar em Portugal, Clezes diz que as ameaças por parte da pessoa que acusa de burla eram fortes. "Por telefone dizia que ia-me esfaquear quando eu estivesse no shopping, e que me ia dar tiro de mota, coisas tenebrosas", contou.
Assim, decidiu apresentar queixa na PSP de Santarém, "tanto do golpe, como das ameaças que ela mandava". A queixa foi aceite e já seguiu para tribunal, deu nome de três testemunhas, que irão depor, pessoas que já foram à casa da alegada burlona e quando chegaram à morada que ela dava aos clientes já estava vazia, contou.
Segundo a brasileira, as suas três testemunhas foram todas vítimas de burlas pela mesma pessoa. No total, acha que há 18 pessoas. "Depois do post que eu fiz no Facebook a contar a história resumida, dezoito pessoas procuraram-me, dando os parabéns e também [contando] que caíram" no golpe, mas não apresentaram queixa.
Clezes imagina que seja por medo de retaliações, de serem deportados ou vergonha. "Porque isso até mesmo comigo mexeu, com a minha auto-estima, porque ainda ninguém me tinha enganado".
Não é o caso de Valdecir Bravo, 32 anos, que, tal como Clezes, aceitou falar com a Lusa e promete levar o caso à justiça até ao fim, para que outras pessoas não venham a ser vítimas também.
Apesar disto, "o sonho" de viver em Portugal continua bem firme para estes dois brasileiros, sobretudo pela segurança e educação dos filhos.
À pergunta por que escolheu Portugal como destino, Clezes responde: "Por ser um país seguro, a educação ter uma óptima qualidade", e, "como há muitos brasileiros", sente-se "um pouco em casa".