Constitucionalistas alertam para perigos e pedem revisão minimal
Jorge Miranda, Vitalino Canas e Melo Alexandrino estão preocupados com o processo em curso. O último defende mesmo que deve interrompido já.
Nos últimos meses, vários constitucionalistas têm tentado, de diferentes formas, sensibilizar os deputados para a necessidade de uma revisão cirúrgica e alertado para os riscos do processo em curso. Jorge Miranda, deputado à Assembleia Constituinte pelo PSD e considerado um dos “pais” da Constituição, e Vitalino Canas, antigo deputado socialista, já o escreveram no PÚBLICO.
José Melo Alexandrino, professor jubilado de Direito Constitucional e co-autor de um manual desta disciplina juntamente com Marcelo Rebelo de Sousa, di-lo agora. “Este processo de revisão constitucional devia ser interrompido por todas as razões”, afirma ao PÚBLICO, defendendo que “os dois principais partidos deviam pôr de lado este processo e abrir um outro, cirúrgico, para resolver três ou quatro questões urgentes”.
Refere-se em particular ao acesso dos serviços de informação aos metadados (dados de tráfego de telecomunicações), à gestão de pandemias e à compaginação das questões de saúde pública com as liberdades (artigo 27º da lei fundamental) e ainda ao aumento dos poderes discricionários do juiz.
Neste último caso, Alexandrino defende o reforço dos poderes do juiz no indeferimento das diligências processuais dilatórias não previstos na Constituição, incluindo o recurso para o Tribunal Constitucional.
No âmbito desta revisão constitucional cirúrgica, entende que os deputados deviam também aprovar uma norma a admitir a possibilidade de proceder a uma verdadeira reforma constitucional. “Por resolução da Assembleia da República, abria-se então um processo de revisão constitucional profundo” e sem pressa, defende.
Para Melo Alexandrino, “a revisão constitucional é uma tarefa prioritária do país, mas para isso tem de ser utilizado o método apropriado e que não é o que foi adoptado: foi desencadeado por um novo partido que se especializou em promover revisões constitucionais”.
“Está a ser tudo feito em cima do joelho e atrás do Chega”, critica, lamentando o tempo perdido: “O que é mais precioso no Parlamento é o tempo, e custa-me ver os deputados a perderem horas e horas num processo que não é consequente”.
Aponta baterias sobretudo ao PSD: “Um dos principais partidos, salvo um deputado – Paulo Mota Pinto [professor de Direito e antigo juiz do Tribunal Constitucional] – não cumpre uma condição essencial para se promover uma boa revisão constitucional” que é compreender em profundidade a Constituição. E considera mesmo que “a posição mais incompreensível é a do PSD, que não quer desistir desta revisão constitucional”.
Perigos e oportunidade perdida
Desde o início do processo de revisão que Jorge Miranda se tem desdobrado em avisos. Logo em Novembro, em entrevista à TSF e ao JN, o constitucionalista criticou o momento em que os partidos abriram um processo de revisão constitucional e defende que mexidas na lei fundamental devem ficar-se pelo essencial. E dias depois, num artigo de opinião no PÚBLICO, assinalou os riscos de cada proposta, voltando esta semana ao assunto.
“Somente em duas áreas, depois da pandemia provocada pelo vírus da covid-19, se justificaria agora acrescentar novas garantias judiciais de liberdade dos cidadãos: perante o fenómeno dos metadados e garantias de inviolabilidade e de intimidade pessoais; perante os casos de confinamento”, escreveu agora.
Insistiu também no facto de estarem em cima da mesa “algumas propostas perigosíssimas para o Estado de direito democrático”: as propostas do Chega relativas aos direitos, liberdades e garantias quanto a penas e a medidas de segurança e à castração química, bem como a de supressão dos limites materiais de revisão constitucional.
Também Vitalino Canas considerou haver mais propostas “inúteis, injustificadas, perigosas até”. E outras lacunas graves, como a alteração da forma de designação dos juízes do Tribunal Constitucional.