Frelimo abre a porta à revisão da Constituição para manter Nyusi no poder

Centro para Democracia e Desenvolvimento diz que o partido do Governo está à espera de 12 de Junho para rever sozinho o limite de mandatos do Presidente e adiar as eleições distritais.

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"Nyusi não devia permitir que as coisas ficassem assim tão pouco claras”, refere Elísio Macamo sobre o silêncio do Presidente em relação a um terceiro mandato Grant Neuenburg/Reuters

O limite de mandatos está fora de moda em África e Moçambique parece estar na calha para o exemplificar. Esta semana, o partido no poder, a Frelimo, valeu-se da sua maioria qualificada na Assembleia da República para reduzir o período de antecedência mínimo para a marcação de eleições de 18 para 15 meses. Três meses que poderiam, à primeira vista, ser vistos como inócuos, mas que, analisados, permitem antecipar mudanças de fundo no futuro político do país.

“Reduzindo o período de antecedência mínima”, diz o Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), organização não-governamental moçambicana, no seu último boletim, “a Frelimo permite que Filipe Nyusi marque a data das eleições em Julho, dando tempo necessário para a revisão pontual” da Constituição.

“A Frelimo iniciou ontem [quarta-feira] o processo formal de criação de condições para a revisão da Constituição da República com o objectivo de adiar as eleições distritais e ensaiar um terceiro mandato de Filipe Nyusi”, acrescenta a organização.

A última revisão pontual da Constituição entrou em vigor a 12 de Junho de 2018, querendo com isto dizer que no próximo dia 12 de Junho passam cinco anos e termina o prazo constitucional que obrigava a Frelimo a ter de negociar com os outros partidos com assento parlamentar para rever novamente a Constituição da República de Moçambique (CRM).

Findo esse prazo, a maioria qualificada da Frelimo basta para essa revisão pontual, “o que cria condições para a Frelimo rever a CRM, adiar as eleições distritais e até alterar o sistema de eleição do Presidente da República para garantir a manutenção de Filipe Nyusi no poder para além de 2024”, afirma a ONG.

O actual texto da Carta Magna limita o Presidente a dois mandatos consecutivos e o silêncio de Nyusi sobre se quer ou não um terceiro mandato revela, segundo o sociólogo moçambicano Elísio Macamo, “falta de respeito pela Constituição, pelo cargo e pelos eleitores”.

Nyusi “não devia permitir que as coisas ficassem assim tão pouco claras”, diz o professor catedrático da Universidade de Berna. “Se realmente quiser um terceiro mandato, que o diga e que haja uma discussão sobre isso. Ficar calado é que não dá. Isso cria instabilidade.”

No Parlamento, quarta-feira, na sessão em que a Frelimo votou sozinha a alteração do período de antecedência mínimo, os deputados da oposição mostraram cartazes de protesto contra as intenções do antigo partido único que governa o país desde a independência em 1975. “Abaixo a ditadura marxista”, “não aceitamos a violação da Constituição”, “não matem a democracia” foram algumas das frases exibidas pelos deputados da Renamo e do MDM.

A sessão acabou por ser interrompida, depois de os deputados da Frelimo terem abandonado o hemiciclo devido ao protesto; retomados os trabalhos, foram os deputados do MDM a abandonar o plenário, enquanto os da Renamo se faziam ouvir num audível protesto.

As eleições distritais foram acordadas em 2018 entre Felipe Nyusi e o líder histórico da Renamo, Afonso Dhlakama, já falecido, como base para o novo acordo de paz que seria assinado no ano seguinte, o seu adiamento poderá, por isso, perturbar o clima político numa altura em que o processe de reintegração dos antigos guerrilheiros do movimento da oposição ainda não foi concluído.

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