O negócio desprezível da imigração
Vítimas das cadeias de tráfico nos locais de partida e do crime organizado nos locais de chegada, estes estrangeiros são nómadas forçados e não dispõem de protecção.
Há dois perfis antagónicos de estrangeiros em Portugal: aqueles que gozam de uma reforma tranquila no Algarve, das facilidades dos “vistos gold”, ou que escolheram o país para trabalhar e viver, e todos os outros que subsistem de forma precária, na clandestinidade ou no moroso processo de legalização.
Os primeiros contribuíram para o recorde de celebração de contratos de arrendamento em 2022 e o facto de possuírem um maior poder de compra inflacionou o mercado imobiliário. Os segundos amontoam-se em quartos degradados e a preços proibitivos.
Estes últimos, oriundos de países fora do espaço europeu, transformaram-se num negócio desprezível. São cada vez mais os grupos de crime organizado que tratam quer do transporte, quer da documentação necessária para que estes cidadãos cheguem e permaneçam no país, cobrando quantias avultadas por esses serviços.
O Relatório Anual de Segurança Interna de 2022 associa este negócio à angariação e recrutamento para o trabalho em campanhas sazonais, em “explorações agrícolas onde passam a trabalhar e a residir, passando a depender totalmente da ‘vontade’ dos empregadores”. Odemira não é segredo para ninguém.
Mas a este circuito junta-se um outro: cidadãos ilegais em outros países da União Europeia deslocam-se a Portugal para obterem cá uma autorização de residência, apesar de não viverem, de facto, no país, através do recurso a documentação falsa.
Há uma palavra para definir estas práticas: fraude. O relatório atribui a falsificação a sociedades comerciais criadas com sede no país, que foram constituídas com esse objectivo, cuja única finalidade é vender contratos de trabalho a imigrantes. Mas há mais documentos a serem falsificados: atestados de residência, certificados de registo criminal, atestados médicos ou até declarações de matrícula no ensino superior. Nem o casamento de conveniência passou de moda.
O combate a este crime organizado, que se aproveita da vulnerabilidade de quem imigra sem dinheiro, sem “visto gold” e não tem qualquer possibilidade de se transformar num nómada digital, terá, forçosamente, de ter uma importância compatível com as conclusões do relatório e com a realidade actual da imigração. Vítimas das cadeias de tráfico nos locais de partida e do crime organizado nos locais de chegada, estes estrangeiros são nómadas forçados e não dispõem de protecção.