Primeiro-ministro indiano e aliado próximo de Putin discutiram “interesses mútuos” em Nova Deli
Encontro entre Modi e o secretário do Conselho de Segurança da Rússia acontece no mesmo dia em que a petrolífera russa Rosneft anunciou um acordo comercial com a maior refinaria indiana.
Alheio aos pedidos das principais potências ocidentais para que condene a invasão russa da Ucrânia e para que se lhes junte na imposição de sanções económicas e ajude a isolar a Rússia internacionalmente, o Governo da Índia continua bastante activo no estreitamento dos laços políticos e energéticos com o Kremlin.
Esta quarta-feira, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, recebeu, em Nova Deli, o secretário do Conselho de Segurança da Federação Russa, Nikolai Patrushev. Segundo as agências noticiosas russas e a embaixada do país na Índia, “foram discutidas questões de cooperação bilateral” e de “interesses mútuos” dos dois Governos.
Patrushev é um dos aliados mais próximos de Vladimir Putin. Foi director do FSB (a agência que sucedeu ao KGB) e colabora com o Presidente russo desde os anos 1970, nos tempos em que ambos integravam a divisão de contra-informação do KGB, na antiga Leninegrado, hoje São Petersburgo.
É, inclusivamente, um dos elementos do topo da hierarquia política russa que é mais vezes apontado como aspirante ao cargo de chefe de Estado, num hipotético futuro pós-Putin.
A sua presença na capital indiana teve como principal motivo a participação numa cimeira da Organização para Cooperação de Xangai (SCO, na sigla em inglês), a comunidade securitária e económica euro-asiática que tem como Estados-membros a Rússia, a China, a Índia, o Paquistão e as antigas repúblicas soviéticas da Ásia Central.
Para além da descrição genérica do encontro, não foram, porém, revelados quaisquer outros detalhes sobre aquilo que foi discutido por Modi e Patrushev.
Cooperação energética
A reunião de alto nível foi, no entanto, precedida de um importante anúncio da petrolífera estatal russa Rosneft, a dar conta de que tinha fechado um acordo com a Indian Oil Corporation, a maior refinaria indiana, também estatal, para “aumentar substancialmente o fornecimento de petróleo e para diversificar o tipo [de petróleo vendido] para a Índia”.
“As partes também discutiram formas de expandir a cooperação entre a Rosneft e as empresas indianas em toda a cadeia de valor do sector de energia, incluindo a possibilidade de pagamentos em moedas nacionais”, informou Igor Sechin, presidente-executivo da Rosneft e outro aliado próximo de Putin, citado pela Reuters.
A par da China, a Índia é um dos mercados que a Rússia mais tem explorado como alternativa ao embargo de petróleo e de gás natural imposto pelos países europeus, em resposta à invasão da Ucrânia.
Na terça-feira, o vice-primeiro-ministro russo, Alexander Novak, disse que as vendas de petróleo para a Índia no ano passado tinham aumentado 22 vezes em comparação com as do ano anterior.
Nesse mesmo dia, Sechin também garantiu que o “objectivo definido pelos líderes dos nossos países”, de “aumentar o volume de negócio até 30 mil milhões de dólares [cerca de 28 mil milhões de euros] já tinha sido atingido antecipadamente”.
Neutralidade pragmática
Consciente de que também não pode descurar as boas relações comerciais, diplomáticas, científicas e até geopolíticas – através do QUAD – que tem com países como os Estados Unidos ou o Reino Unido, a Índia tem-se mantido pragmaticamente neutral durante a guerra, apelando genericamente à paz e não dando grande ênfase mediático aos encontros com membros do Governo russo.
Mas forma como o Governo indiano se tem aproveitado do conflito europeu para “ajudar” a Rússia a encontrar formas de contornar os efeitos das sanções ocidentais e para fechar novos acordos energéticos e comerciais com o Kremlin tem deixado os países da NATO e da União Europeia, e seus aliados, bastante incomodados.
A par do sector energético, um dos principais eixos de cooperação entre Nova Deli e Moscovo tem sido, historicamente, o do armamento. A Rússia é o maior fornecedor de armas da Índia, sendo que 49% do total de armas importadas pelo Exército indiano entre 2016 e 2020 são russas, incluindo o sistema antimísseis S-400 Triunf.
O armamento russo é visto pelo Governo de Modi, por um lado, como crucial para manter o rival Paquistão na defensiva. Por outro, serve para mostrar a Pequim, com quem a Índia disputa amplas áreas de território, nomeadamente ao longo da fronteira dos Himalaias, que tem argumentos para responder à militarização da região e para servir de contrapeso às ambições da China na sua vizinhança alargada.