Sim, o drama da habitação é real. E não, o AL não é o responsável
É necessário facilitar a construção de forma generalizada, com incentivos fiscais para os projetos de habitação nas periferias e investimento direto em acessos e serviços nas áreas metropolitanas.
Quando hoje se pensa em Alojamento Local (AL), imaginam-se cidades cheias, ementas em várias línguas, filas intermináveis na livraria Lello e nos Pastéis de Belém, e um “obrigado” com um sotaque que não é daqui. O AL é sinónimo de turismo, um setor que contribui direta e indiretamente com mais de 16,8 mil milhões de euros para o PIB português (dados do INE, 2021), e que cresce mais com a contínua vinda de visitantes que se tornam fãs e que chegam a casa e passam a palavra.
Mas o país é agora tão apelativo por causa das pequenas mudanças que foram acontecendo e que tomámos já como garantidas: os prédios devolutos recuperados; o comércio local e a indústria das tradições reinventados; os centros históricos, onde antes nem os próprios residentes se sentiam seguros, têm agora uma vida própria que impacta diariamente a economia, dos grandes aos pequenos negócios. Temos assistido à constante reabilitação das nossas cidades e dos seus centros e, como consequência, beneficiamos todos de um maior policiamento, manutenção, melhoria dos transportes, serviços e acessos. É graças a este rejuvenescimento que agora atraímos estrangeiros, sim... mas também muito mais locais.
E o nosso turismo, desdobrado em ofertas de hotelaria e de AL, não veio apropriar-se das casas que poderiam ser para os lisboetas e portuenses. Feliz ou infelizmente, o caso é bem mais complexo.
O programa Mais Habitação como o conhecemos agora poderá conseguir atribuir alguns estúdios nos centros a pequenas famílias, mas o problema é que temos milhares de famílias a precisarem de casa, e temos estúdios insuficientes e que não foram pensados para elas.
Um grande número das licenças foi dado a propriedades recuperadas nos centros e divididas em duas, três ou quatro unidades, pensadas para albergar visitantes que passam mais horas fora de casa do que dentro e que não precisam de espaço como estas famílias vão precisar.
Neste contexto de procura de soluções, é preciso chegar à origem dos problemas e perceber que atirar as culpas da crise da habitação para o AL numa jogada populista não explica aos portugueses por que motivo os investidores viram no AL uma solução interessante por contraste à habitação permanente. Mas vamos por partes.
Se analisarmos o cenário da reconstrução nos centros (especialmente das unidades pequenas e antigas que precisam de melhorias da canalização ao isolamento) esta é e sempre foi cara, e um investidor não investe se não puder rentabilizar esse investimento.
E aqui como opção de investimento falamos apenas em reconstrução e não de construção por causa do maior problema do desenvolvimento urbano em Portugal: a construção ainda padece de inúmeros problemas burocráticos que foram simplificados apenas para os processos de reconstrução. Para os investidores, nacionais e estrangeiros, interessados em continuar a investir em Portugal e que só procuram boas oportunidades de rentabilidade, é necessário que existam opções que os mantenham interessados, mas é preciso que estas opções possam dar continuidade ao desenvolvimento sustentável das nossas cidades.
Obrigar o AL a encerrar é prejudicar um setor maioritariamente manobrado por pequenos proprietários empreendedores que contribuem para o crescimento do país com a gestão de um turismo legal e responsável. Esta é uma indústria que já suporta dezenas de milhares de famílias e que, se desaparecer, vai levar consigo a nossa capacidade de resposta ao turismo: ao reduzirmos a oferta, vamos aumentar preços e deixaremos de ser um destino até para as carteiras portuguesas. É um efeito dominó negativo que afetará tudo, desde a economia do país às contas das famílias e dos pequenos empreendedores. No fundo, talvez tenhamos uma crise de desemprego e continuemos depois sem uma solução para a habitação.
O AL já está limitado na maioria de Lisboa desde 2019, mas os preços aumentam todos os anos. A cidade renova-se, mas apenas no centro e através de projetos de reconstrução, porque esta é a opção menos morosa e mais rentável.
Assim, já sem AL, nos centros têm surgido empreendimentos de luxo, o metro quadrado continua a subir, há ausência de investimento nos acessos às periferias, pouquíssimas construções novas, e os milhares de famílias portuguesas continuam sem encontrar casas que possam pagar.
Resumindo: há interesse de investimento em Portugal, e os investidores procuram apenas a melhor forma de desenvolverem projetos de acordo com o que a legislação lhes permite, independentemente do papel que o AL representa na equação. Em paralelo, a nossa legislação não é amiga do desenvolvimento imobiliário para arrendamento tradicional para o português médio, porque as construções novas são impossíveis de aprovar.
A realidade é que é preciso conhecer as cidades e reconhecer o papel do AL no seu desenvolvimento, recuperação e constante manutenção. É preciso perceber como o AL traz benefícios para a economia local e onde a sua pressão talvez seja demasiada, de forma a que as câmaras possam controlar e dinamizar localmente a influência positiva do AL a mais freguesias e, por outro lado, agir na redução dos efeitos negativos de um turismo sobrecarregado.
O Regulamento Municipal do Porto é, até hoje, o melhor exemplo, dado que procura manter a possibilidade de renovação das suas freguesias, incentivando a presença de unidades alocadas ao arrendamento acessível nos novos projetos em zonas de alta pressão, procurando assim levar o investimento a todo o município para que este continue a renovar-se
A resposta para esta crise não está no encerramento dos AL nem em culpabilizar este setor pela má gestão urbana do país. O que é necessário é a criação de medidas que facilitem a construção de forma generalizada, com a criação de incentivos fiscais que promovam o desenvolvimento de projetos de habitação nas periferias, e investimento direto em acessos, serviços e projetos dinâmicos em todas as áreas metropolitanas.
A questão é que este tipo de gestão, focada e orientada para a resolução de problemas, obriga a que se questione a falta de soluções até hoje. É uma reflexão muito mais demorada e complexa do que simplesmente apontar o dedo a um setor pouco popular sem ter em consideração as consequências económicas locais e a possibilidade de começar uma nova crise sem que a primeira esteja resolvida.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico