Mais do que um sopro
Muitos têm ainda a percepção de que a Cultura é um elemento insignificante na sociedade. Combater essa desvalorização será, muito provavelmente, um dos maiores desafios que o sector tem pela frente.
Há, aproximadamente cinco anos, Tiago Rodrigues, na altura diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II, criava um espetáculo em que Cristina Vidal, ponto do Teatro Nacional D. Maria II, soprava o texto aos atores, numa “homenagem vibrante ao teatro e àqueles que o fazem” (Le Figaro).
A personagem (a pessoa!) que sempre tinha permanecido fora de cena, era agora colocada em primeiro plano, lado a lado com as restantes figuras que protagonizavam o evento. Firme, segurando nas mãos o texto que o autor e encenador tinha escrito, ia sussurrando as falas que os outros repetiam em voz alta. A proposta, caleidoscópica, resultava como gesto urgente, surpreendente e tocante de democratização também do fazer artístico.
Agora, em 2023, no rescaldo de uma devastadora pandemia global, após a discussão em torno da necessidade de financiamentos estatais mais robustos e depois de ter sido aprovado em Portugal um tão desejado Estatuto dos Profissionais da Área da Cultura e de a Rede de Teatros e Cineteatros ter, finalmente, saído do papel, no momento em que lutamos contra a inflação e procuramos evitar uma renovada crise financeira, enquanto ansiamos pelo fim do conflito armado na Ucrânia, continuamos a ser confrontados com a seguinte questão: as Artes são mesmo essenciais?
Afirmar que as Artes permitem questionar pensamentos e visões dominantes, lançar luz sobre episódios ou figuras menos conhecidas da nossa História, forjar encontros, diluir fronteiras, derrubar barreiras e que nos podem devolver a esperança nos momentos mais turbulentos é já um exercício vazio e pouco refrescante.
Podemos continuar a sussurrar que a prática artística e a fruição estética desempenham um papel crítico nas nossas vidas, moldando as nossas perceções, estimulando a criatividade e revelando campos férteis para o intercâmbio cultural, ou declarar, orgulhosamente, que a Cultura e as Artes promovem a coesão social e o desenvolvimento das comunidades, contribuindo, de um modo substancial, para as economias locais, nacionais e globais.
A argumentação lógica parece ser que devemos aceitar a ideia de que as Artes enriquecem as nossas vidas e que a Cultura é um pilar fundamental na edificação de sociedades mais justas, inclusivas e democráticas. Este é o texto que tem sido escrito e rescrito e que já sabemos de cor.
O problema é que o texto se pode escapar das nossas mãos com enorme liquidez e, apesar de todos os nossos departamentos de marketing e para lá de todos os planos de gestão e comunicação, os factos poderão não levar a melhor sobre as sensações e as emoções. E, assim, mais do que procurar responder à pergunta que acima formulámos, podemos pensar em formas de comunicar melhor e de um modo mais abrangente a importância das Artes nas nossas comunidades.
São ainda muitos aqueles que têm a perceção de que a Cultura é um elemento insignificante na sociedade. O combate a essa desvalorização será, muito provavelmente, um dos maiores desafios que o setor tem pela frente. Para tal, é fundamental afirmar, de forma categórica, clara e objetiva, o seu impacto real e determinante nos mais distintos contextos, não apenas através de entrevistas, comunicados e artigos de opinião como este, ou em discursos mais ou menos ensaiados, mas, principalmente, através da implementação de uma série de políticas públicas, ao nível estatal e autárquico, que obedeçam a uma visão estruturada, holística e sustentada do papel que queremos para a Cultura nas sociedades que estamos a construir.
Como tal, o reconhecimento desse papel essencial deverá traduzir-se no desenho e na implementação de um conjunto de políticas que considerem a importância que é conferida às práticas artísticas e ao acesso, verdadeiramente, democratizado à fruição cultural. O texto não poderá continuar apenas a ser “soprado” e reproduzido mecanicamente. Tem que ser interiorizado, pelos mais diferentes atores (públicos e privados) que estão em cena e em quem confiamos, afetar todos os “órgãos” (os mais centrais ou os mais periféricos), tornar-se vivo, vibrante e genuíno nas palavras e nos pequenos e grandes gestos públicos e conduzir-nos a uma resposta incontestável, proferida com toda a força, em todos os “palcos”: sim, as Artes são mesmo essenciais.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico