O TikTok vai ser bloqueado? Devo desinstalar a app?
Calma. Bloquear uma app num país democrático não é assim tão fácil, mas há cada vez mais políticos preocupados com os dados que o TikTok acumula — e o que faz com eles. O P3 resume o debate.
O TikTok está novamente na mira dos reguladores. Esta quinta-feira, o líder do TikTok, Shou Zi Chew, passou horas a ser questionado no Congresso dos EUA, em Washington, sobre a segurança da aplicação — em particular, sobre aquilo que a empresa faz com os dados privados dos utilizadores e a informação que mostra a crianças e jovens (por exemplo, dietas extremas, desafios perigosos, e notícias falsas). A conversa, que durou mais de duas horas, lembra os interrogatórios feitos a Mark Zuckerberg (dono do WhatsApp, Instagram e Facebook) ao longo dos últimos anos. A diferença é que o TikTok, detido pela gigante chinesa Bytedance, também é acusado de ser uma ferramenta de espionagem do Partido Comunista Chinês.
Este é o principal motivo que levou a Casa Branca a proibir os seus funcionários federais de instalarem o TikTok nos telemóveis de serviço. Alguns legisladores querem ir mais longe, com novas leis que barrem a app dos EUA. A Comissão Europeia também a proibiu dos telemóveis dos seus trabalhadores. “A plataforma devia ser barrada”, resumiu esta quinta-feira Cathy McMorris Rodgers que lidera o Comité de Comércio e Energia da Câmara dos Representantes dos EUA.
De onde vêm as preocupações? O Governo chinês tem acesso aos nossos dados privados? O que é o Projecto Texas? O P3 responde.
Qual é o problema com o TikTok?
Governos de todo o mundo estão preocupados com a quantidade de dados que o TikTok acumula devido às ligações da empresa a Pequim. Foi em 2017 que a gigante chinesa ByteDance, dona de várias redes sociais, lançou o TikTok para chegar a utilizadores internacionais, isto é, fora da China.
Funcionou: segundo os dados da empresa de análise de mercado Insider Intelligence, em 2023 um em cada cinco utilizadores da Internet usa o TikTok pelo menos uma vez por mês (cerca de 834 milhões de utilizadores).
Parte das preocupações dos EUA com o sucesso da app vêm da Lei Nacional de Inteligência da República Popular da China, que foi aprovada há seis anos. O artigo sétimo dessa lei nota que “todas as organizações e cidadãos devem apoiar, ajudar e cooperar com o Estado em matéria de inteligência nacional”.
Alguns políticos mostraram-se, também, preocupados com os algoritmos do TikTok, temendo sejam usados para manipular a opinião pública sobre vários temas. A app irmã do TikTok, a Douyin, que só está disponível na China, é fortemente censurada e concebida para promover material educativo sob as directrizes do Partido Comunista Chinês.
Devo desinstalar a app?
Fica a teu critério. Por ora, usar, ou não usar a app, ainda cabe aos seus utilizadores. Podes ler as regras de privacidade do TikTok para perceber melhor o que é que a app diz que faz com os teus dados (a empresa identifica mais de 20 fins para os dados que recolhe).
Posso vir a ser obrigado a desinstalar o TikTok? A app pode mesmo ser barrada?
Bloquear uma app num país democrático não é assim tão fácil. O maior problema do TikTok são as ligações a Pequim. Como tal, alguns reguladores acreditam que o problema ficaria resolvido se a ByteDance vendesse o TikTok a uma empresa fora da China. Isto é algo que estava para acontecer durante a administração de Donald Trump quando a ByteDance e a Oracle (empresa norte-americana especializada em software e hardware) chegaram a acordo para a venda da app. A compra nunca foi finalizada.
Pequim já disse que se opõe à venda. “Forçar a venda do TikTok irá prejudicar seriamente a confiança dos investidores de todo o mundo, incluindo da China, para investir nos Estados Unidos”, defendeu a porta-voz do Ministério do Comércio da China, Shu Jueting, esta quinta-feira. “Se for verdade, a China opor-se-á firmemente [à venda].”
Outra possibilidade é a criação de legislação que barre a app nos EUA. Em Dezembro de 2022, dois senadores americanos apresentaram um projecto-lei com a missão de “restringir a ameaça nacional de vigilância na Internet” que proibiria o TikTok e outras empresas de “países estrangeiros que geram preocupação” de funcionar nos EUA.
Para isto funcionar, os EUA teriam de pedir às empresas que fornecem Internet para bloquear o tráfego do TikTok. “É assim que a Internet é na China”, comenta Christo Wilson, professor de ciências da computação da Universidade de Northeastern, num artigo sobre o tema. "Se levarmos mesmo a sério a proibição do TikTok, é assim que teremos de o fazer — transformamo-nos naquilo que odiamos."
Há provas de espionagem? O que é que o TikTok diz?
No depoimento desta quinta-feira, o presidente executivo do TikTok, Shou Zi Chew, frisou que a empresa não partilha dados dos utilizadores com o Governo chinês. No entanto, em Dezembro de 2022, a dona do TikTok admitiu ter utilizado a sua própria app para espiar jornalistas de todo o mundo. Alguns funcionários da ByteDance acederam à informação de geolocalização de vários jornalistas, incluindo da repórter do Financial Times Cristina Criddle. O objectivo era perceber se os jornalistas estavam no mesmo local que trabalhadores suspeitos de revelarem informação confidencial da empresa.
Os funcionários envolvidos foram despedidos, com o presidente executivo da ByteDance, Rubo Liang, a criticar as suas acções num e-mail interno que foi publicado pela Forbes. “A confiança do público, que trabalhámos bastante para construir, vai ser significativamente minada pela má conduta de alguns indivíduos”, reconheceu Liang.
E dados? O TikTok acumula mais dados que outras redes sociais?
Não. Vários estudos e relatórios notam que o TikTok recolhe uma enorme quantidade de dados, incluindo a localização e informação sobre outras apps usadas nos mesmos dispositivos. Isto é verdade, mas não é um fenómeno exclusivo do TikTok. Um estudo do Citizen Lab, laboratório de investigação da Universidade de Toronto, nota que o TikTok recolhe o mesmo tipo de dados que outras redes sociais, como o Facebook e o YouTube, para mostrar anúncios direccionados. Isto inclui informação sobre o dispositivo utilizado, os padrões de utilização e alguns sites visitados.
O que é o Projecto Texas?
Há anos que o TikTok trabalha para arranjar formas de evitar ser proibido nos Ocidente. Um dos projectos é o Project Texas, uma iniciativa que implica um investimento de 1,5 mil milhões de dólares (1,38 mil milhões de euros) por ano para armazenar os dados dos utilizadores dos EUA no próprio país. No início de Março, o TikTok revelou um projecto semelhante para a União Europeia, chamado Project Clover, com servidores na Irlanda e na Noruega. Actualmente, os principais servidores do TikTok estão localizados em Singapura.
“Nunca vi provas de que o Governo chinês tenha acesso aos dados dos utilizadores do TikTok. Mas para tranquilizar os nossos utilizadores dos EUA, temos um plano para passar os dados dos utilizadores dos EUA para servidores norte-americanos, supervisionados por uma empresa norte-americana”, explicou Shou Zi Chew, esta quinta-feira.
As ligações a Pequim são o único problema?
Não. A rede social também foi criticada por falta de moderação que permite a proliferação de conteúdo perigoso, incluindo desafios virais com consequências negativas para a saúde dos utilizadores. "A tecnologia [do TikTok] está literalmente a levar à morte", acusou o congressista Gus Bilirakis, citando exemplos de conteúdo nocivo que chega às crianças.
Os EUA não são os únicos que estão preocupados. Esta semana, a autoridade reguladora da concorrência italiana informou ter dado início a uma investigação ao TikTok, devido à publicação de “conteúdo perigoso” que incita ao suicídio e à automutilação. Em causa estão vídeos de jovens que adoptam comportamentos perigosos, como o desafio da “cicatriz francesa”, que se tornou viral e que levou vários jovens e crianças a beliscarem as maçãs do rosto até ficarem com nódoas negras.
O TikTok faz alguma coisa para proteger utilizadores mais novos?
No início do mês, o TikTok anunciou que as contas de utilizadores com menos de 18 anos serão automaticamente limitadas a uma hora de utilização por dia. A funcionalidade poderá ser desactivada, mas servirá como forma de sensibilização quanto ao tempo passado em frente aos ecrãs.
“Os adolescentes podem desactivar o limite por defeito, se assim o desejarem. No entanto, se o fizerem, pedimos-lhes que definam um limite de tempo diário, se passarem mais de 100 minutos no TikTok num dia”, explicou uma porta-voz do TikTok em Portugal. Segundo um comunicado, caso o limite de 60 minutos por dia seja ultrapassado, “será pedido um código de acesso para que seja possível continuar a ver os vídeos". Ou seja, é necessária uma decisão activa.
Os encarregados de educação também podem definir o tempo de utilização do TikTok em função do dia da semana, mas isto pressupõe que estejam familiarizados com o funcionamento da rede social.