Parlamento de Israel aprova “a primeira lei do golpe judicial”

Lei que limita a possibilidade de afastar um primeiro-ministro é vista como tendo sido desenhada para impedir que Benjamin Netanyahu seja declarado incapacitado para governar pela procuradora-geral.

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A polícia dispersou grupos de manifestantes com canhões de água AMIR COHEN/Reuters
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"Não fiz aliyah [literalmente, "subida", a imigração de judeus para Israel] para isto", diz um cartaz AMIR COHEN/Reuters
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Benjamin Netanyahu na sessão do Parlamento que aprovou uma lei que impede que seja declarado inapto para o cargo pela procuradora-geral de Israel ABIR SULTAN/EPA

O Parlamento de Israel ratificou esta quinta-feira uma lei que limita as circunstâncias em que um chefe de Governo pode ser declarado inapto para governar – uma lei vista como tendo sido feita para evitar a possibilidade de que Benjamin Netanyahu possa ser afastado por uma decisão da procuradora-geral, Gali Baharav-Miara, que poderia declará-lo inapto na sequência do processo por corrupção, num dia em que os protestos se agigantaram na rua e que o ministro da Defesa provocou comoção ao saber-se que iria avisar para os perigos do plano para as Forças de Defesa de Israel.

O diário Haaretz considera a lei “a primeira lei do golpe judicial” a ser aprovada pela coligação. O conjunto de medidas implica uma alteração radical que implicará o fim do regime democrático de Israel, já que o Parlamento passa a não ser supervisionado pelo sistema judicial (segundo uma das propostas, o Supremo perderá o poder de revogar leis).

Isto é possível porque Israel não tem uma Constituição, mas apenas Leis Básicas, que são consideradas semi-constitucionais e podem ser aprovadas ou revertidas por maiorias simples no Parlamento.

Segundo a lei agora aprovada, o afastamento de quem ocupa a chefia do Governo pode ser feito apenas de duas maneiras: pela própria pessoa, invocando motivos físicos ou psicológicos, ou se três quartos dos membros do executivo o declararem inapto por um dos dois motivos.

A procuradora-geral relembrara a Netanyahu a sua assinatura de um acordo em 2020 dizendo que não iria envolver-se em alterações do sistema judicial porque ele próprio está a ser julgado (foi acusado em 2019) e tem, por isso, um conflito de interesses.

Netanyahu fala ao país

Aparentemente em referência a esse acordo (que à luz da lei agora aprovada, não poderá servir de base para o afastar), Netanyahu disse que tinha "as mãos atadas até agora", mas que agora irá, "pessoalmente", encarregar-se da protecção dos direitos cívicos (algo que os críticos do plano para mudar o sistema judicial dizem que vão ficar em risco).

Netanyahu prometeu ainda procurar consenso para o plano – mas adiantou que irá buscar a aprovação de uma das medidas, que deixa as nomeações para o Supremo nas mãos do Governo, já na próxima semana.

O final do dia foi marcado por uma grande especulação sobre o que iria acontecer já que o ministro da Defesa, Yoav Galant, se preparava para pedir a Netanyahu para travar a legislação de reforma (para o Governo) ou golpe judicial (para a oposição), segundo o site Ynet, pelo risco da proposta poder destruir o Exército – e ter efeitos na relação com os Estados Unidos.

O director do Shin Bet (secreta interna), Ronen Bar, também apresentou a Netanyahu um quadro nada animador das consequências da aprovação desta reforma, alertando para a combinação de ameaças de segurança e contestação às medidas que pode levar o país a uma "situação perigosa", cita a jornalista Noga Tarnopolsky.

Os sinais de descontentamento vão-se amplificando. Do lado militar, mais reservistas afirmam que se recusarão a servir se o “golpe judicial” avançar. Os militares na reserva, que são chamados regularmente, são essenciais para as Forças Armadas de Israel.

E do lado dos EUA, o Presidente, Joe Biden, telefonou, no domingo, a Netanyahu para “deixar clara a [sua] preocupação” com o plano, em mais um nível de subida de tom do aliado mais próximo do Estado hebraico, que tem feito vários avisos, públicos, em relação às medidas que terão efeitos no carácter democrático de Israel.

Nas ruas, os protestos mantinham esta quinta-feira, juntando dezenas de milhares de pessoas em várias cidades. A polícia deu conta, ao fim do dia, de cem detenções, e havia imagens de acções violentas da polícia contra manifestantes, incluindo o antigo ministro da Segurança Omer Bar-Lev.

Em Telavive, o diário Times of Israel destacava o protesto de um grupo de familiares de militares mortos que se juntou em frente do Ministério da Defesa. “Sinto que estou à beira do abismo – um pequeno empurrão e caímos e não vamos voltar a levantar-nos”, disse Gavriella Zimmerman, cujo filho Amir foi morto em 2004. “Não foi por isto que Amir morreu, por um país destruído.”

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