Um défice de qualificações e competências que urge superar
A produtividade não tem acompanhado o crescimento das qualificações dos portugueses, sendo fundamental esse incremento para aumentar o ganho salarial e incentivar o investimento na educação.
O investimento na qualificação é, porventura, uma das prioridades mais consensuais na sociedade portuguesa. Governo, empresas e outras organizações, patrões e trabalhadores concordam que este investimento é uma condição para o sucesso aos mais diferentes níveis: na produtividade e competitividade; nos salários; no desempenho das organizações, e, na melhoria da qualidade de vida.
A este propósito, têm sido muitos os progressos realizados desde que Portugal entrou na então CEE - Comunidade Económica Europeia, em 1986, permitindo-lhe efetuar investimentos, sem paralelo na história recente, em matéria de educação, formação, ciência e tecnologia. Os vários indicadores relacionados com o acesso aos diferentes níveis de ensino e de qualificação, as diminuições significativas da taxa de abandono escolar, entre muitos outros, apontam no sentido positivo.
Apesar disso, quando comparamos os nossos indicadores com os dos parceiros da União Europeia, constata-se não só um défice de qualificações e competências que urge superar, mas também dificuldades em internalizá-las no tecido económico. Por exemplo, é paradoxal, aparentemente, que os jovens com qualificações elevadas tenham dificuldade em encontrar empregos com remunerações salariais compatíveis, o que os leva, em número bastante significativo, a emigrar. É uma situação que indicia dificuldades em transmitir o conhecimento disponível nos diferentes subsistemas (educação, ciência tecnologia) para o tecido económico e a sociedade.
O potencial não se traduz integralmente em bens e serviços suficientemente sofisticados e competitivos, de modo a refletirem-se nos salários. É uma situação que merece reflexão. O que nos dizem então estes diagnósticos? E que soluções recomendam?
Atente-se num estudo recente da Fundação José Neves, realizado em 2022, que traça o problema de fundo, ao sublinhar a interligação entre educação, produtividade e salários. A produtividade não tem acompanhado o ritmo de crescimento das qualificações dos portugueses, sendo fundamental esse incremento para aumentar o ganho salarial associado ao aumento da escolaridade e assegurar, deste modo, incentivos à educação. Enfatiza ainda que “a produtividade depende das qualificações de trabalhadores e de empregadores e da utilização ótima do talento”. Empresários e gestores, pelas dinâmicas de empreendedorismo, qualidade da gestão e pela motivação e liderança que imprimem, são determinantes.
A análise das qualificações dos trabalhadores e das equipas de gestão, mostra que ambas contribuem de forma significativa para a produtividade da empresa e com pesos muito próximos. No mesmo sentido, a produtividade é maior com equipas de gestão e trabalhadores mais qualificados e que as qualificações dos gestores têm um efeito na produtividade, para além das qualificações dos trabalhadores. É certo, que as qualificações dos gestores de empresas têm aumentado, mas Portugal continua a ter a maior percentagem de empregadores e gestores que não terminou o ensino secundário, acompanhado de perto apenas por Malta. Em 2021, este era o caso para 47,5% dos empregadores, praticamente o triplo da média europeia que era 16,4%.
Por sua vez, o rendimento médio dos portugueses é o sétimo mais baixo da União Europeia e, na última década, o rendimento real aumentou apenas para os menos qualificados, em 5%, alavancados pelo aumento do salário mínimo. Para os mais qualificados, a perda chegou aos 11%, o que se traduz numa diminuição dos ganhos associados ao incremento da educação. Concomitantemente com as baixas qualificações da força de trabalho, este é um aspeto que pode estar a limitar a produtividade da economia portuguesa. E, sem ganhos de produtividade significativos, não existem boas experiências à escala internacional de subidas significativas e sustentadas dos salários.
O investimento na qualificação dos portugueses é, por isso, não só de inquestionável importância, mas também decisivo para se enfrentar com sucesso os novos desafios da transição digital, face ao funcionamento integrado de uma nova plataforma de tecnologias digitais, e da transição ecológica, associada à emergência climática, em que relevam mudanças profundas na matriz energética e a economia circular. O seu impacto conjunto altera o tempo e o modo como se aprende, trabalha, coopera e como as empresas competem. Em matéria de qualificação, acresce o facto de se encontrarem atualmente, e pela primeira vez na história, cinco gerações, em simultâneo, no mercado de trabalho, com necessidades e estratégias de abordagem muito distintas. Qualificar, requalificar e desenvolver novas qualificações e competências (digitais, de pensamento ágil, interpessoais e de comunicação, de operação global, de responsabilidade social, ambiental e de ética empresarial) terá de ser um processo continuo e mobilizador das diferentes partes interessadas. São, pois, desafios cruciais para o futuro de Portugal, que colocam à prova os sistemas, público e privado, de educação e formação ao logo da vida, que também eles se têm de ajustar proativamente aos novos tempos.
Justifica-se, portanto, um compromisso sólido e abrangente, chamemos-lhe “Pacto para as competências”, aproveitando algumas iniciativas embrionárias nesse sentido, que articule em torno de objetivos comuns associados ao investimento nas qualificações e competências, a comunidade empresarial, as instituições ligadas ao conhecimento (educação formação, ciência e tecnologia) e o governo, por via das políticas públicas que, nesta matéria, deverão desempenhar um importante papel catalisador.