Na Ericeira, o The Capsule Cafe é uma nave espacial de sabores

Criado por um casal ucraniano e com uma equipa de chefs também da Ucrânia, o restaurante cruza influências nórdicas e asiáticas com produtos portugueses e tem pop ups mensais.

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The Capsule Café, na Ericeira, é um espaço com assinatura do Atelier Réalité Francisco Nogueira

O espaço é branco e azul, alguma coisa entre um laboratório e uma nave espacial, com assinatura do Atelier Réalité. Já a sobremesa à nossa frente é negra e, no seu inglês ainda um pouco hesitante, o chef ucraniano Alex Horbenko, mais conhecido como Sacha, explica-nos que se trata de um cheesecake ao estilo basco, mas com tinta de choco e baunilha, coberto com chips de batata-doce.

Estamos no The Capsule Cafe, um "neo-bistro" na Ericeira, mas na verdade estamos num universo que mistura a cultura ucraniana com influências nórdicas, produtos portugueses e uma equipa entusiasmada, que encontrou aqui espaço para experimentar e arriscar. Por isso, sim, no fundo, esta é uma cápsula espacial em direcção ao desconhecido.

O The Capsule, numa rua estreita do centro da vila, foi criado em Dezembro de 2021 por um casal ucraniano, Tanya e Sacha (outro Sacha), que se encantaram com a Ericeira, para onde se mudaram em 2018, e quiseram criar aqui um espaço diferente. Café de especialidade, apresentado pelo barista italiano Dino, vinhos naturais, e, uma vez por mês, um pop up onde Alex, o seu sous-chef Andrii Boiarskyi, também ucraniano, e o resto da equipa, exploram ideias mais ou menos loucas – este fim-de-semana (dias 24 e 25), o tema é café e vegetais (o anterior foi fogo e vegetais).

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O ucraniano Alex Horbento é o chef do The Capsule Cafe dr

As influências nórdicas e/ou asiáticas são evidentes. “Comecei a trabalhar com fermentados na Ucrânia, usando koji [uma cultura de fermentação inoculada em grãos de arroz ou de soja] e produtos lacto-fermentados, coisas muito simples”, conta Alex. “Agora tentamos trabalhar noutro nível. No último pop up tentámos fazer chocolate falso. Foi um desafio muito cool. Primeiro era mau, tinha uma textura muito forte e as pessoas não compreendiam. Fizemos mudanças, usando lentilhas, e no final sabia mesmo a chocolate.”

Mas se o universo dos fermentados fascina os habitantes desta cápsula, os produtos portugueses são outro mundo a explorar. “No início”, continua Alex, “pensámos fazer uma comida mais ucraniana, mas tentámos adaptar os produtos portugueses e não é fácil chegar aos mesmos resultados.”

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Sopa de castanhas com língua de vaca e cogumelos salteados dr

Quando, há dois anos, ainda trabalhava na Ucrânia e recebeu um telefonema a perguntar-lhe se queria tentar um projecto em Portugal, Alex não sabia nada da cozinha ou dos produtos portugueses. “Sabia que havia muitas coisas do mar, peixe e marisco, e que havia batata-doce. Era toda a informação que tinha”, diz, rindo. “Agora, identificámos uma quinta local [Lugar da Terra] e todos os meses testamos produtos novos.” E para a carne, por exemplo, trabalham com o cada vez mais célebre Talho das Manas, de Torres Vedras.

No The Capsule, a equipa cozinha à nossa frente, o que dá uma proximidade calorosa – todo o serviço é, aliás, muito simpático e há nesta equipa multinacional um espírito de família que passa para os clientes, muitos deles também estrangeiros, que nos últimos anos escolheram a Ericeira para viver.

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The Capsule Cafe fica no centro da Ericeira dr

À mesa chega o couvert, com dois tipos de pão caseiro, uma excelente manteiga de miso, rillette de atum com castanha, patê de cogumelos, couve fermentada (uma versão do kimchi coreano) e azeitonas aromatizadas. Depois, uma sopa de castanha com língua de vaca e cogumelos marinados e um atum em barbecue, com batata, ketchup de espinafres e alho negro. E na sobremesa, para além do cheesecake com tinta de choco, vem ainda um brownie com um caramelo de miso.

Outras opções na carta do The Capsule incluem combinações como húmus, camarão, kombucha, caviar e dióspiro, e tártaro de carne maturada com atum seco, creme de abóbora e iogurte ou, nos pratos principais, kimchi de frango com molho amakaze (bebida japonesa feita com arroz fermentado) e miso de couve-flor ou porco preto com molho de ostra, cogumelos ostra e furikake (o condimento japonês à base de peixe e marisco secos e triturados). Quem quiser optar pelo brunch sabe que não encontrará aqui ovos mexidos com fruta laminada, mas pode experimentar, por exemplo, a rabanada de brioche com dióspiro, praliné de girassol e crème fraîche ou o brioche com ovo escalfado, creme de batata e peixe fumado.

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Brownie de chocolate com caramelo de miso dr

Neste trabalho de explorar as fermentações, Alex e o seu sous-chef já transformaram os próprios apartamentos em pequenos laboratórios caseiros, com caixas onde fermentam diferentes produtos. A par disso, no restaurante – onde as mesas são de material reciclado de um produtor inglês, o Smile Plastic – vão testando soluções para reduzir o desperdício alimentar, que “varia muito conforme os dias, pode ser de um quilo ou de dez quilos”. No prato de atum em barbecue, o pó negro colocado por cima é feito com cascas de vegetais secas no forno e transformadas em farinha.

Os pop up servem para testar ideias que podem, ou não, chegar à carta. “Permitem-nos dizer mais o que queremos sobre os nossos sabores”, afirma Alex. A ideia de explorar o café foi “óbvia”. Sendo o The Capsule um espaço com barista e café de especialidade, era quase inevitável que decidissem cruzá-lo com a comida de formas mais criativas. “O Dino tem em casa kombucha de café, eu tenho miso de café”, diz Alex. “Além disso, estou encantado com o rum dos Açores. Quero fazer um brioche com café misturado com rum.”

É entrar na nave espacial azul e branca e deixar-se levar. Há sempre mundos novos a explorar.

Vinhos naturais e cafés de especialidade

Em Novembro de 2021, o italiano Dino (Modestino) Corrado mudou-se para Lisboa. Antes tinha vivido em Londres para onde foi com o sonho de trabalhar em restaurantes com estrela Michelin. Mas, depois de “algumas más experiências” com “vibes Hell’s Kitchen”, rapidamente percebeu que “não queria trabalhar mais nas cozinhas, queria ser um espírito livre”. É isso que o The Capsule, na Ericeira, onde trabalha agora, lhe permite.

Uma passagem pelo Starbucks fê-lo começar a adquirir “algum conhecimento básico” sobre café de especialidade, e hoje é isso que explora no The Capsule. “Em Portugal, a cena do café é muito nova, e, por isso, é excitante. Não há muita gente a fazer coisas e as pessoas ainda não sabem muito. Sinto que essa pode ser a parte divertida. O que eu quero é criar uma consciência deste mundo.”

Quando tem clientes com vontade de aprender, começa por lhes explicar que os cafés de especialidade são “um nicho de um mercado enorme”, fala-lhes do “equilíbrio entre a doçura e o lado acídico” e das diferentes variedades. “Sim, porque, ainda mais do que o vinho, o café é baseado no terroir, no tipo de solo de onde vem. Este que estamos a beber, por exemplo, é uma variedade colombiana que só uma quinta tem.”

A outra linha distintiva do The Capsule é a carta de vinhos, com propostas naturais e biodinâmicas e descrições que são, no mínimo, criativas. Se a opção for por brancos, há o Peluda Binto no Tranco, um “Rosa Autossuficiente Para O Dia A Dia Especial”, o Vira Cabeças, que entra na categoria “Vinhos Lentos Para Uma Experiência de Sabores. Untuoso, Gordo”. Nos tintos, há o Uivo Renegado, descrito como “Brilho-Brilho do Norte. Evite Isso. Ou Não”, o Senhora d’Arrábida, “Fruta Madura, Fruto Preto Silvestre, Alguma Erva Seca”, e o Dominó. Outras opções são os Pet Nat Uivo, o White e o Renegado.

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