A covid-19 levou os enfermeiros a extremos e nada ameniza as consequências

Para atingir o topo da carreira, o enfermeiro precisava hoje de uma longevidade laboral de 110 anos.

Quando já passaram três anos sobre o início da pandemia e prestes a ser considerado o seu fim pela OMS, tendemos a esquecer todo o esforço das equipas de saúde, superior a tudo o que conhecemos e que chegou a ser pago com o preço mais alto de todos – a própria vida.

Os enfermeiros foram das classes mais expostas ao risco de infeção quando esta era vista como uma doença perigosamente fatal. Antes das vacinas, antes do esforço da enfermagem nesse processo também, houve a necessidade de chamar à linha da frente os que podiam tentar combater e lutar pela vida das pessoas.

Esse risco, que agora vemos como um pesadelo que passou, deixou sequelas na classe, nos enfermeiros que, de forma mais ou menos direta, empregaram os seus conhecimentos e toda a sua aptidão técnico-profissional. Começaram a surgir sinais alarmantes de absentismo, exaustão, burnout e abandono da profissão.

Tudo isto tem sido uma bola de neve que cresce diariamente sem uma verdadeira intervenção de fundo que melhore, que reabilite, que permita a convalescença de uma classe demasiado fustigada.

A saúde não pode esperar. Nas urgências das diversas instituições portuguesas acumulam-se pessoas doentes, desamparadas, casos a necessitar do médico que diagnostique, prescreva, trate, interne… mas, acima de tudo, do olhar, empenho e cuidado profissional do enfermeiro.

Mais não fosse e o utente ficaria em casa a ser tratado pelo médico. Quem se desloca ao hospital precisa de diagnósticos e cuidados de enfermagem e para isso estão lá as camas de internamento, onde o enfermeiro vela o doente que necessita do seu empenho, vigilância e competência profissional.

Nestes três anos, os enfermeiros receberam muitas palmas, palavras encomiásticas, reconhecimento público, apoios de empresas e pessoas que de forma independente lhes aqueceram o coração e a alma nos momentos mais difíceis e obscuros.

No entanto, a vida infelizmente necessita de outras coisas para que possamos viver o quotidiano de forma digna. A classe mantém os problemas anteriores, como uma carreira a necessitar de ser revista com urgência desde a sua génese nefasta, há cerca de 15 anos.

Um enfermeiro é um licenciado que começa no SNS de forma precária, com contratos a termo e um salário base próximo de 1000 euros líquidos. Para atingir o topo da carreira, precisava de uma longevidade laboral de 110 anos para alcançar esse feito.

Tudo isto tem sido solicitado, no quadro de uma aparente nova postura de abertura demonstrada pelo atual ministro da Saúde, Manuel Pizarro. No entanto, parece que as palavras não passam disso mesmo. Nem pequenos gestos ou ações foram tomadas, como a possibilidade de se progredir um escalão salarial em sete anos, e não em dez, como é habitual para a grande maioria e idêntico ao que foi feito pelos governos regionais dos Açores e Madeira em forma de agradecimento real.

De salário emocional anda a classe rica. De verdadeira vontade em valorizar, mantém-se um silêncio ensurdecedor que cada vez mais nos vai empurrando para um caminho de confrontação e exigência de se ser cuidado por quem deve, para que os portugueses recebam os cuidados de enfermagem a que têm direito.

Uma breve palavra ao “nosso” Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que mantém um anacronismo deformante nada compatível com o seu papel de presidente de todos os portugueses, ao defender uma classe em detrimento de outras bem mais necessitadas de serem guindadas ao seu real valor e tantas vezes esquecidas.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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