Vítimas dos abusos sexuais na Igreja criam associação

Fundada por três vítimas de abusos sexuais cometidos por clérigos, a nova associação vai chamar-se “Coração Silenciado” e os seus fundadores querem contar as suas histórias ao Papa.

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No Patriarcado de Lisboa, há cinco padres suspeitos de terem cometido abusos que continuam em funções Nuno Ferreira Santos (arquivo)

Deverá chamar-se Coração Silenciado – Associação de Vítimas e Sobreviventes dos Abusos Sexuais da Igreja e é a primeira associação portuguesa de representação das vítimas dos abusos cometidos no meio eclesial. “Toda a gente fala por nós e sentimos que era importante criar uma associação que efectivamente nos dê voz”, adiantou ao PÚBLICO Alexandra, um dos três membros fundadores – todos vítimas de abusos sexuais às mãos de clérigos em crianças.

Além de Alexandra, residente em Coimbra e que prefere não adiantar mais pormenores sobre a sua identidade, a associação é fundada por Cristina Amaral, do Porto, e por António Grosso, da margem Sul, zona de Lisboa. Todos deram o testemunho sobre os abusos de que foram vítimas à comissão independente que estimou em pelo menos 4815 as crianças que foram vítimas de abusos perpetrados por membros da Igreja, desde 1950 até à actualidade.

Por enquanto, Alexandra prefere não se pronunciar sobre a polémica em torno do eventual pagamento de indemnizações às vítimas por parte da Igreja. “É um tema que teremos de discutir ainda”, justificou. À RTP, Cristina Amaral precisou que a intenção é assegurar que as vítimas têm “um sítio seguro, isento, onde possam fazer as suas denúncias e onde tenham a certeza de que vão ser apoiadas em tudo o que for preciso”.

Desde logo, um dos objectivos das vítimas é fazer chegar as histórias dos sobreviventes dos abusos contadas na primeira pessoa ao Papa Francisco, que virá a Portugal no início de Agosto, durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Do mesmo modo, os membros da associação já fizeram chegar um pedido de audiência ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ainda segundo a RTP.

Os bispos portugueses decidiram promover, no próximo dia 20 de Abril, uma jornada nacional de oração pelas “vítimas de abuso sexual, de poder e de consciência na Igreja”. A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) anunciou também a criação de um grupo – com nomes que estarão por estes dias a ser escolhidos – “operativo, com carácter de autonomia, constituído por pessoas que garantam credibilidade e confiança perante as vítimas”, para o acolhimento e acompanhamento das mesmas.

Quanto aos abusadores, Beja, a última das 21 dioceses portuguesas a prestar contas públicas pela lista de alegados abusadores recebida das mãos da comissão independente, revelou esta quinta-feira que a lista referente à diocese continha cinco nomes, quatro sacerdotes e um leigo, referentes a pessoas que já morreram. Além destes, a diocese confirma a existência nos seus arquivos de quatro outros casos “denunciados entre os anos 2001 e 2020", os quais "mereceram o devido e obrigatório encaminhamento, tanto civil como canónico". Num dos casos, o padre foi remetido ao estado laical, noutro o sacerdote foi absolvido. O terceiro caso acabaria arquivado por falta de provas e, por último, o quarto caso resultou na expulsão do seminário local de um leigo em formação para o sacerdócio, sendo que, por estes dias, o caso foi julgado no Tribunal da Comarca de Beja, "aguardando-se a sentença”, segundo o comunicado.

Entre padres no activo e outros que já morreram, além de leigos, são quase 110 os membros da Igreja apontados como suspeitos pela comissão independente, que cruzou testemunhos das vítimas com os dados obtidos na consulta feita aos arquivos diocesanos. Até "finais de Abril", segundo informou a CEP, idênticas listas serão entregues aos responsáveis pelas congregações e institutos religiosos (jesuítas, dehonianos, salesianos...). A partir da leitura do relatório "Dar voz ao Silêncio" é possível contar mais de 80 vítimas de abusos naquelas 127 congregações e institutos.

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