Após dois dias de protestos na Geórgia, partido no poder retira polémica lei de inspiração russa
Partido Sonho Georgiano justifica retirada da lei dos “agentes estrangeiros” com necessidade de reduzir “confrontação” na sociedade. Oposição exige renúncia formal à lei e libertação dos detidos.
Ao fim de dois dias e duas noites de protestos e de confrontos entre manifestantes e as forças de segurança em frente ao Parlamento, em Tbilissi, o maior partido político da Geórgia decidiu retirar a polémica lei dos “agentes estrangeiros”, semelhante à legislação aprovada pela Federação Russa em 2012 e que contribuiu para o enfraquecimento das organizações não-governamentais e dos meios de comunicação social daquele país.
Num comunicado divulgado nesta quinta-feira, citado pela Reuters, o partido Sonho Georgiano anunciou a “retirada incondicional da proposta de lei” que apoiou “sem quaisquer reservas”, justificando esta opção com a necessidade de reduzir os níveis de “confrontação” na sociedade georgiana.
O partido maioritário no Parlamento do país do Cáucaso denunciou, no entanto, as “mentiras” que a “oposição radical” espalhou sobre o esboço da legislação aprovada na terça-feira e diz que a mesma foi inspirada em leis dos Estados Unidos que estão em vigor desde os anos 1930.
A proposta de lei dos “agentes estrangeiros” georgiana impõe o registo obrigatório de todas as organizações que obtenham pelo menos 20% do seu financiamento de fontes estrangeiras, sob pena de terem de pagar pesadas multas.
Segundo o Sonho Georgiano, a lei era necessária para identificar os opositores da poderosa Igreja Ortodoxa da Geórgia, mas os seus críticos dizem que é uma ferramenta desenhada para pressionar e enfraquecer a sociedade civil e os órgãos de comunicação social, nomeadamente na sua missão de investigação e monitorização da actividade política e empresarial do país.
A lei russa, por exemplo, foi utilizada pelo Kremlin para restringir e, em muitos casos, para acabar com as actividades de diversas ONG e grupos de media financiados pelo Ocidente.
Até a Presidente da Geórgia, Salome Zurabishvili, que foi eleita em 2018 com o apoio do Sonho Georgiano, fez essa comparação, quando prometeu vetar a lei se esta chegasse às suas mãos para ratificação: “Esta lei, de que ninguém precisava, não vem do nada, é algo ditado por Moscovo. A Geórgia vê o seu futuro na Europa e não permitirá que ninguém lhe roube esse futuro.”
Numa conferência de imprensa conjunta, nesta quinta-feira, os representantes de diferentes partidos da oposição congratularam-se com a retirada da lei, mas avisaram que é necessário que o Governo georgiano formalize essa mesma renúncia. Para além disso, exigem que todos aqueles que foram detidos nos últimos dias durante os protestos sejam libertados.
Se estas duas exigências não forem cumpridas, garantem, as manifestações antigovernamentais vão continuar.
Milhares de pessoas juntaram-se nos últimos dias em frente ao Parlamento, na capital da Geórgia, com bandeiras do seu país, mas também da União Europeia, gritando “não queremos a lei russa” e outros cânticos contra o Governo.
Na terça-feira, houve confrontos entre manifestantes e a polícia. O arremesso de cocktails molotov e de pedras contra as autoridades, assim como alguns actos de vandalismo urbano, noticiados pela Reuters, levaram as forças de segurança a lançar gás lacrimogéneo e a utilizar canhões de água para dispersar a multidão. Setenta e sete pessoas foram detidas.
Quem recebeu com agrado a notícia sobre a retirada da lei dos “agentes estrangeiros” foi a União Europeia, que já tinha dito que este tipo de propostas legislativas contribuía para a sua indisponibilidade em conceder à Geórgia o estatuto de país candidato à adesão ao bloco.
“Congratulamo-nos com anúncio do partido no poder para retirar o esboço da legislação sobre ‘influência estrangeira’”, lê-se na mensagem publicada no Twitter pela delegação da UE no país.
“Encorajamos todos os líderes políticos na Geórgia a retomar as reformas pró-UE, de uma forma inclusiva e construtiva, e na linha das 12 prioridades para a Geórgia alcançar o estatuto de candidata”, acrescenta.