Se é italiano e joga futebol, será bem-vindo à selecção de Mancini

Esta é a história de Andrea Compagno, jogador que Roberto Mancini tem debaixo de olho para a selecção italiana. Nunca jogou acima da quarta divisão, mas esta selecção italiana é para todos.

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Roberto Mancini EPA/Zsolt Szigetvary

No dicionário, o substantivo feminino “selecção” é definido como “equipa formada por um grupo de atletas ou jogadores escolhidos por serem considerados os melhores ou os mais aptos”. Se a esse nome juntarmos “nacional”, então pretendemos escolher uma selecção nacional que seja o grupo com os atletas mais aptos do país em causa. Em Itália, o conceito está a ser levado ao extremo.

Hoje, ser cidadão italiano e jogar futebol é suficiente para poder ser chamado à selecção nacional. O cenário é caricaturado, mas não está assim tão longe da verdade. O seleccionador Roberto Mancini tem chamado desconhecidos para serem observados para a equipa nacional – uns mais jovens, outros nem tanto. Uns sem futebol sénior nas pernas, outros com carreiras modestas.

Agora, haverá mais outro. Andrea Compagno vai ser chamado à selecção italiana, informação adiantada por Mihai Stoica, director-geral do Steaua, clube romeno em que actua o avançado. O próprio Mancini falou do jogador há poucas horas. “Há dois anos que o sigo. Ele joga sempre e marca golos. É uma possível solução extra para a equipa nacional. Desempenha um papel que nos falta. É jovem e a expectativa é a de que evolua”, apontou, citado pela Sky Italia.

Compagno, de 26 anos, nunca jogou na Série A. Ou na B. Ou mesmo na C. O melhor que conseguiu em Itália foi actuar na quarta divisão. Depois, jogou em... São Marino. Agora, é avançado do Steaua, onde leva 12 golos em 22 jogos.

Se quem joga no Euromilhões está habilitado a ganhá-lo, quem joga futebol está habilitado a ir à selecção italiana. Com Mancini é assim que funciona. E este é o “Euromilhões” de Andrea Compagno.

“Vamos procurar em todo o lado”

A história deste “pinheiro” de quase dois metros, nascido em Palermo, é bizarra, porque tem tido uma carreira mais do que modesta. Ainda assim, esta chamada não pode ser encarada como uma surpresa total.

Com o descalabro na selecção italiana, que não foi aos últimos dois Mundiais, Roberto Mancini tem levado muito a sério a premissa segundo a qual a selecção é aberta a todos os futebolistas algo que os seleccionadores gostam de dizer como charme, mas que, na prática, está longe da verdade.

Um comentário de um leitor do site Football Italia diz, com humor, que Mancini passou de um extremo, o de nunca olhar para novos jogadores, para o outro, o de olhar para metade do país. E essa é uma forma de definir o que está em causa.

É certo que Mancini estreou Zaniolo e Tonali em 2019, ainda antes de qualquer deles actuar na Série A, e Simone Pafundi aos 16 anos, mais recentemente, mas o desígnio está a ser levado bem mais longe.

Antes de Compagno, o seleccionador já realizou dois estágios com atletas “desconhecidos”. Dois deles até actuam em Portugal: Bamba, defesa/médio do Vitória, e Ndour, médio do Benfica, que tem jogado sobretudo na equipa B.

“Vamos procurar em todo o lado jogadores jovens e desconhecidos. No passado, havia falta de defesas e médios, mas hoje não temos grandes jogadores nas posições mais avançadas. E estamos a tentar encontrá-los”, disse Mancini, numa explicação que justifica os estágios com atletas desconhecidos, mas também a chamada de Campagno, jogador que pode compensar a tal falta de avançados.

“Os problemas são graves. O Immobile está fora e Raspadori possivelmente também. Quase todos os nossos avançados têm jogado muito pouco nos últimos meses. Não temos um que seja titular, com excepção de Gnonto, que pode actuar como avançado. Scamacca regressa de lesão, Belotti joga muito pouco. No ataque temos problemas, mas não porque não haja talento. Eles têm é de jogar – e não jogam.”

É neste contexto que Campagno deverá entrar na equação. E Gigi Becali, excêntrico dono do Steaua, já está a esfregar as mãos com o que poderá fazer – leia-se receber – com um avançado que certamente se valorizará bastante assim que o seu nome sair da boca de Mancini.

Para os duelos frente a Inglaterra e Malta, os dois primeiros na qualificação para o Euro 2024, Compagno deverá estar presente – Mancini deixou-o no ar, Stoica confirmou-o numa inconfidência pré-convocatória.

E, aos 26 anos, poderá estar aqui um ponto de viragem no sonho de alguém que diz que sempre quis jogar na Série A e cujo contexto de onde vem, muito pouco profissional, lhe deu até a honestidade e abertura para dizer, sem pudor, que o seu clube preferido é o Inter.

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