Caso de IRS de Fernando Santos terá “desenvolvimentos novos”, diz directora do fisco

Autoridade tributária prevê divulgar prática do ex-seleccionador nacional como esquema de planeamento fiscal abusivo esperando um efeito de “prevenção geral”.

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Fernando Santos foi seleccionador nacional entre 2014 e finais de 2022 NFactos/Fernando Veludo

A directora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), Helena Borges, afirmou nesta quarta-feira no Parlamento que o caso sobre o IRS do ex-seleccionador nacional Fernando Santos “não está encerrado” e que se antecipam “desenvolvimentos novos”.

Na comissão parlamentar de orçamento e finanças, Borges não foi explícita em dizer que o fisco, depois de uma primeira inspecção às declarações de rendimento de 2016 e 2017 do treinador, continua a investigar o IRS para controlar o pagamento do imposto relativamente aos anos que se seguiram, mas deu a entender que isso está a acontecer.

Quando o fisco observa comportamentos suspeitos de serem abusivos, “em regra”, estende a fiscalização a todo o período em que o esquema se praticou, limitado pelo prazo de caducidade que a lei impõe, disse a responsável, em resposta a uma pergunta da deputada do PSD Patrícia Dantas.

Em relação ao IRS de 2016 e 2017, o fisco considerou, e viu o tribunal arbitral dar-lhe razão, que Fernando Santos recorreu a um meio abusivo para pagar menos impostos relativamente ao trabalho prestado à Federação Portuguesa de Futebol (FPF) através da interposição de uma sociedade comercial unipessoal, a Femacosa, declarando os rendimentos auferidos em IRC e não na esfera pessoal, em IRS, conseguindo assim uma carga fiscal inferior.

O deputado Miguel Cabrita, do PS, grupo parlamentar que tomou a iniciativa de chamar ao Parlamento a responsável máxima do fisco, quis saber se o caso estava concluído e Borges, quanto a isso, foi clara em dizer que “não”. Não foi, no entanto, explícita sobre se o caso não está encerrado apenas porque a última palavra caberá aos tribunais (já que Fernando Santos continua a contestar as liquidações da AT sobre o IRS de 2016 e 2017) ou se há uma investigação subsequente (tendo em conta que o técnico continuou a prestar serviços à federação nos anos seguintes através da Femacosa, tendo sido seleccionador de 2014 até ao final de 2022).

Dizendo que, em relação “a este caso concreto”, o das inspecções a Fernando Santos, não pode ser muito explícita para preservação do sigilo fiscal, Helena Borges acabou por afirmar: “Poderei dizer que não está encerrado. Terá com certeza desenvolvimentos novos. Alguns deles dependem apenas de nós; outros podem depender de entidades terceiras. É do domínio público e aquilo de que se fala [na esfera pública] não é substancialmente diferente daquilo que observámos, isso talvez seja importante referir para ver se estamos todos a laborar num erro e a falar do que de facto se observou ou de construções que se vão fazendo na imprensa.”

O Expresso noticiou que o Ministério Público abriu um inquérito criminal, que estará a correr no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) com a participação da AT, algo que Helena Borges não referiu.

Apesar disso, a directora-geral salientou que o assunto Fernando Santos continua a merecer a atenção da AT. “Será naturalmente objecto de extensão a outras áreas da nossa actuação, a outros sectores e, com certeza, será mesmo um dos esquemas que tenderemos a divulgar como abusivos no quadro daquilo que temos a obrigação de divulgação, para garantir que, por via dessa divulgação, se faz a prevenção geral de adopção destas práticas noutros sectores de actividades e por outros agentes económicos.”

A descrição concreta do esquema de planeamento é público, porque Fernando Santos contestou as liquidações adicionais aplicadas pelo fisco num tribunal arbitral e o acórdão do caso, favorável à autoridade tributária, está publicado no site do Centro de Arbitragem Administrativa (trata-se do processo n.º 860/2021-T e é possível ler a decisão aqui).

Helena Borges acredita que o caso de Fernando Santos “pode ter um efeito de prevenção geral e [gerar] uma maior percepção por parte dos cidadãos que recorrem a práticas similares ou de empresas que procuram extrair benefícios” das possibilidades que “o quadro legal coloca ao seu dispor”.

A directora foi chamada a explicar de que forma é que as empresas unipessoais são usadas de forma indevida para o recebimento de rendimentos do trabalho. Borges disse que, em si, a organização da forma societária através de empresas unipessoais por quotas está prevista na lei e pode ter fundamento para o “exercício individual de uma actividade económica”, o problema está em serem eventualmente utilizadas de forma abusiva.

“Nós não nos questionamos sobre se há uma grande expressão de sociedades [unipessoais] ou sociedades por quotas ou sociedades anónimas — isso é uma escolha dos agentes económicos. O que nos preocupa são as situações que podem apresentar-se como de abuso dessas possibilidades que o legislador coloca à disposição dos agentes económicos e que sejam, elas próprias, lesivas”, um desvio em relação à receita fiscal “que se pretende alcançar com o quadro legal que estava definido sem abuso”, afirmou

Borges salientou que esta é a preocupação, “não tanto a expressão que estas actividades têm agora”, até porque, lembrou, há hoje “novas formas de organização de trabalho” em que muitas pessoas “não querem optar por relações de emprego formais, são empreendedores” e essa pode ser uma das razões para criarem empresas unipessoais.

É preciso “distinguir entre aqueles que utilizam esta figura licitamente — e hão-de ser a maioria, cremos nós por aquilo que é o padrão dos cidadãos portugueses cumpridores — e uma franja que naturalmente faz uma utilização deste quadro legal com abuso”. A AT, diz, não sabe “exactamente qual é a percentagem dessa franja que fará abuso, mas haverá sempre alguns e é na busca desses” que o fisco direcciona as suas atenções.

Votação sobre Fernando Gomes adiada

Noutra comissão parlamentar, onde são abordadas as matérias de saúde, estava agendada para a manhã desta quarta-feira a votação de um requerimento do BE para chamar ao Parlamento com urgência o presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Fernando Gomes, mas a votação foi adiada a pedido do PS.

O Bloco já tinha pedido para que o dirigente desportivo fosse ouvido na comissão de orçamento e finanças, mas o requerimento foi chumbado pelo grupo parlamentar socialista.

A deputada do BE, Mariana Mortágua, confrontou a directora-geral sobre o risco de haver planeamento fiscal nalguns sectores de actividade, com a utilização de contratos de prestação de serviços, como na saúde, com médicos tarefeiros em que poderão estar a ser constituídas empresas e deduzidas “despesas que na realidade não estão afectas à sua actividade profissional”.

Borges explicou que a AT faz um controlo destas actividades, mas reconheceu que não são “massificados”, havendo “uma zona de risco de erosão da receita". Quando um agente é fiscalizado e a AT detecta que o contribuinte declarou “gastos indevidos”, retira esses encargos do leque de gastos aceites.

Notícia corrigida às 14h47 de 15 de Março de 2023: rectificada a referência temporal sobre a saída de Fernando Santos, que foi seleccionador até Dezembro de 2022 e não até ao início de 2023.

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