Há seis raças de ovelhas portuguesas à beira da extinção. Porquê?

Pouco rentáveis, ovelhas portuguesas “raras” já só existem por “carolice” dos criadores, apesar de 30 anos de apoios. Está em causa “capacidade de resiliência enorme” adaptada ao território do país.

#LM Miguel Manso - Reportagem sobre as ovelhas da raca churra badana, mirandela - 24 de janeiro
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#LM Miguel Manso - Reportagem sobre as ovelhas da raca churra badana, mirandela - 24 de janeiro Miguel Manso
#LM Miguel Manso - Ovelhas da raca churra do campo na herdade do Vale Feitoso - 09 de fevereiro de 2023
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#LM Miguel Manso - Ovelhas da raca churra do campo na herdade do Vale Feitoso - 09 de fevereiro de 2023? Miguel Manso
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Miguel Manso

“Temos de descobrir onde estão as ovelhas. É quase como procurar o Wally.” Ricardo Estrela, administrador da Herdade do Vale Feitoso, segue ao volante do jipe por vales e cerros de vegetação dispersa. São 7500 hectares no total, “tudo pegado”, o que faz desta propriedade junto a Penha Garcia, no concelho de Idanha-a-Nova, “a maior herdade privada do país e a sexta da Península Ibérica”.

O rebanho de churra-do-campo, uma das raças autóctones de ovinos com solar na região, é uma “aposta” muito recente de Ricardo Machado, o actual proprietário da herdade, adquirida em Agosto do ano passado. Tudo começou à mesa de Ricardo Estrela. “Quis ser simpático e ofereci-lhe um borrego churro. Era a refeição”, recorda. “Ficou tão apaixonado por isto que disse que tínhamos de tê-las.”

Encontramo-las, passados uns minutos, a correr pelos montes despidos. Vêem-se apenas algumas oliveiras, estevas e matos num terreno seco e pedregoso, apesar de estarmos em pleno Inverno, onde se alimentam cerca de 600 churras-do-campo. No rebanho, estão também mais de 500 ovelhas-merinas da Beira Baixa, outra raça autóctone portuguesa. Distinguem-se facilmente, pelo menos enquanto não forem tosquiadas: as churras têm o pêlo bastante comprido e escorrido, enquanto as merinas têm-no muito encrespado. Se quiséssemos formar um rebanho igual ao que vemos com todas as churras-do-campo que existem em Portugal, concentradas em quatro concelhos da Beira Baixa, não conseguiríamos. Só à nossa frente está mais de 62% de todo o efectivo da raça.

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Rebanho de churra-do-campo na Herdade do Vale Feitoso. Esta é a raça mais ameaçada em Portugal: estima-se que existam apenas 1015 animais

Quando pensamos num animal em vias de extinção, a maioria imagina uma espécie selvagem, exótica e distante. Dificilmente nos lembraríamos de um animal doméstico, muito menos de uma raça autóctone de ovelhas. Como poderíamos? Quantos somos capazes de dizer quantas existem em Portugal ou debitar-lhes os nomes? Das 16 raças autóctones de ovinos registadas actualmente no país, todas estão classificadas com algum grau de “ameaça de erosão genética”, incluindo seis definidas como raras, de acordo com o Plano Estratégico da Política Agrícola Comum 2023-2027 (PEPAC). Tão-pouco é um fenómeno exclusivo dos ovinos: das 51 raças autóctones portuguesas, entre ovinos, bovinos, caprinos, equídeos, suínos e avícola, 28 surgem classificadas como raras. Todas as outras estão “em risco”.

De extinta a rara

A churra-do-campo chegou a ser dada como extinta nos anos 1990. “Não havia referenciadas”, recorda Carlos Andrade, secretário técnico que gere o livro genealógico e que acompanhou o processo de recuperação da raça desde o início. Em 17 anos, o efectivo tinha caído de 62.215 cabeças para apenas 400, segundo um levantamento da Direcção-Geral de Pecuária feito em 1989. Poucos anos depois, não havia qualquer animal registado.

Foi por iniciativa de António Cabanas, então vice-presidente da Câmara Municipal de Penamacor, que a autarquia e a Escola Superior Agrária de Castelo Branco (ESA) se propuseram recuperar a raça, ao abrigo de um programa de apoio europeu, em 2004. Conseguiram encontrar alguns animais “aqui e ali”, dispersos por pequenos rebanhos com ovelhas de outras raças, incluindo machos suficientes, a “principal dificuldade”, e foram depois “eliminando” aqueles que revelavam ter características de cruzamentos, recorda Carlos. O livro genealógico foi criado em 2007. “Começámos com 12 [ovelhas] na escola agrária, a câmara tinha 30 e pouco, e o António tinha 11”, conta o técnico, professor na ESA até se reformar.

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Carlos Andrade é o secretário técnico que gere o livro genealógico da churra-do-campo

Quando Penamacor quis doar pequenos rebanhos a criadores para aumentar o efectivo da raça, Ricardo Estrela foi um dos primeiros a aceitar. Começou com 17, hoje são 140. Nascido em Lisboa, “no Campo Grande”, “a coisa mais parecida com uma ovelha era a alcatifa lá em casa”, graceja. Mas “gostava imenso do campo”. Formou-se na ESA e aqui ficou a trabalhar, há mais de 20 anos na Herdade do Vale Feitoso, além do negócio próprio na agro-pecuária. “Sou um apaixonado por tudo o que é nosso. Também sou criador de cavalos-lusitanos. As nossas raças são uma coisa que me apaixona.” Passados quase 20 anos do início do processo de recuperação da churra-do-campo, o efectivo conta com 1015 animais, distribuídos por nove criadores. No Vale Feitoso, “o plano é aumentar”.

Raças menos produtivas

Almerindo Lopes, de 57 anos, nunca chegou a conhecer as ovelhas “amarelinhas pequeninas” de que falavam o pai e os amigos, todos pastores. Sempre viveu em Tinhela, aldeia do concelho transmontano de Valpaços. “Na hora em que ia a passar a procissão no dia da festa, estava eu a nascer.” A electricidade só chegou quando tinha 12 anos. De pequenos, todos os oito irmãos ajudavam nas tarefas do campo, a seguir à escola. “O meu pai dizia que eu não servia para pastor porque me aborrecia ficar ali à espera que elas se fartassem...”, recorda.

Almerindo, no entanto, sempre tinha gostado de ovelhas e, há cerca de 15 anos, já com alguns terrenos cercados, entendeu que tinha de tê-las, além do trabalho como agricultor. Na memória, ficara aquela imagem das ovelhas “amarelinhas pequeninas”. Ainda as procurou, mas acabou por ir criando outras raças, até que “há meia dúzia de anos, sem querer, bateu com um rebanho” já no concelho de Mirandela. Só então lhes soube o nome: churra-badana.

Actualmente, tem o maior rebanho da raça, “à volta de 450 adultas”. De acordo com os dados da Sociedade Portuguesa de Recursos Genéticos Animais (Sprega), referentes a 2023, há 2544 fêmeas e 83 machos de churra-badana inscritos no livro genealógico da raça e 30 criadores. Depois de ter descido um patamar no grau de ameaça no quadro comunitário anterior, volta a ser classificada como rara. “Se nada for feito nos próximos dois anos, a badana extingue-se quase por completo”, alerta Sónia Martins, secretária técnica e única funcionária da associação que gere o livro genealógico.

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A história da badana quase poderia ser decalcada da churra-do-campo. Nos anos 1940, chegaram a existir mais de 200 mil animais, mas com a introdução de novos cruzamentos e raças estrangeiras mais produtivas, os números caíram a pique. Tanto a badana como a churra-do-campo são raças de tripla aptidão: dão carne, leite e lã, mas não são especializadas em nenhum dos três produtos. A lã, no entanto, já não gera receita. “Os borregos são pequeninos, nascem com 1,5 kg, enquanto um borrego convencional nasce com cinco ou seis quilos”, compara Ricardo Estrela. A churra-do-campo, por exemplo, dá 0,3 litros de leite por ordenha; outras raças dão quatro ou cinco.

Como o criador “recebe exactamente o mesmo” por quilo de borrego ou litro de leite, independentemente da raça, a escolha tem sido simples para muitos: desistir das autóctones e “ir para raças mais produtivas”. “O Vale Feitoso foi agora buscar 500 ovelhas de merino-da-beira-baixa a uma exploração que são puras mas já estavam a ser cobertas por um carneiro merino-alemão para os borregos serem maiores”, conta Ricardo Estrela. “Estamos a perder centenas de animais todos os anos de raças autóctones cruzadas com outras porque não têm rendimento.”

Um ano “particularmente difícil”

O ano de 2022 foi “particularmente difícil”, estrangulando uma situação que vinha a agravar-se desde o início da pandemia. A Guerra na Ucrânia fez disparar os preços das sementeiras, das rações, das palhas e colheitas de feno. Os custos com vacinação, controlo sanitário e medicamentos também aumentaram, assim como o preço dos combustíveis. “Há três anos, os sacos de adubo custavam sete euros, agora custam 25 euros”, exemplifica Sónia Martins.

A seca veio agravar o problema. “Muita gente até teve despesa em semear, mas depois não colheu, porque a erva não cresceu.” Ao prejuízo e ao aumento dos outros custos, os criadores tiveram de somar a compra de forragens e suplementos alimentares. Também foi um ano com menos ovelhas prenhas e borregos para vender. “Uma miséria comparativamente com 2021, menos 50%”, lamenta Francisco Ferreira, criador de churra-badana e presidente da associação. Agora, tem sido o Inverno particularmente chuvoso a ameaçar os rebanhos transmontanos, com uma maior proliferação de doenças.

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“Se nada for feito nos próximos dois anos, a badana extingue-se quase por completo”, alerta Sónia Martins, secretária técnica e única funcionária da associação que gere o livro genealógico da raça
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Nos anos 1940, chegaram a existir mais de 200 mil efectivos de churra-badana: hoje contam-se 2627

O ano difícil nas explorações tem-se reflectido na capacidade financeira da Badana – Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Raça Churra-Badana. “Se não nascem borregos, os criadores não registam [os novos animais] e nós não recebemos. Se não há recria, não recebemos. Se não há pesagens [dos borregos], não recebemos.” Sónia esteve quatro meses com salários em atraso (a questão não se coloca no caso de Carlos, no cargo “a título gracioso”). “Temos dinheiro, se calhar, para garantirmos mais dois meses de sobrevivência...”, lamenta.

Se a associação for obrigada a fechar portas, o mais provável é que a gestão do livro genealógico da raça passe para outra associação que já desempenhe o mesmo papel para outras raças autóctones. Mas Sónia acredita que isso não vai resolver o problema. “Apesar de terem efectivos um bocadinho melhores, estão igualmente a reduzir; portanto, também vão começar a ter falta de dinheiro.”

Trinta anos em risco reflectem o “fracasso das políticas”

Para o próximo quadro comunitário, o PEPAC prevê um aumento do apoio à manutenção de raças autóctones classificadas como raras de 200 para 250 euros, passando para cerca de 37,5 euros por ovino. A opinião é unânime: não chega. “As ajudas que dão, gasto tudo com elas”, aponta Almerindo. “São completamente insuficientes”, critica Ricardo. “Perde-se praticamente na nascença do animal, pela diferença de peso [em relação a outras raças].” Para atingir os mesmos valores, o borrego tem de ficar “muito mais tempo na exploração”, o que significa mais custos. “Ainda não é atractivo”, garante. “Está na mão de pessoas que gostam disto por carolice, porque acham graça. Não vivemos disto...”

Em Guribanes, no concelho de Mirandela, Francisco Ferreira tem cerca de 150 churras-badanas. Como tem vários terrenos de área forrageira, precisa de ter animais nessas propriedades para receber apoios associados ao encabeçamento. Com uma raça autóctone, soma mais um subsídio, maior se esta estiver classificada como rara. É por isso que tem badanas, assume. Mas não é suficiente. “Se não tivesse olival, amendoal, vinha... Sobreviver só com 150 ovelhas seria impossível...”, garante.

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Rebanho de Francisco Ferreira, criador de churra-badana e presidente da associação que gere esta raça
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Ricardo Estrela é criador de churras-do-campo e administrador do Vale Feitoso, Idanha-a-Nova, herdade que detém o maior rebanho da raça, pouco mais de 600 efectivos (62% do total)
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Tanto a badana como a churra-do-campo (em cima) são raças de tripla aptidão: dão carne, leite e lã, mas não são especializadas em nenhum dos três produtos

Depois de 30 anos de programas de apoio à manutenção das raças autóctones, tanto para criadores como para as entidades gestoras dos livros genealógicos, nenhum dos efectivos cresceu substancialmente, apesar de se verificarem flutuações ao longo dos anos. Comparando os dados de 2023 disponibilizados online pela Sprega com aqueles apontados no estudo Recursos Genéticos Animais em Portugal, de 2004, apenas as raças campaniça e churra-algarvia viram os efectivos duplicarem, contabilizando 11.419 e 3411 fêmeas inscritas este ano nos livros genealógicos, respectivamente.

Cinco têm hoje efectivos menores. No caso da saloia e da churra-da-terra-quente (raça que resultou do cruzamento entre a badana e a mondegueira, provocando a queda da primeira), os números caíram para menos de metade. Se, em 2004, estavam registadas 7150 fêmeas saloias e 33.026 “terrinchas” (nome pelo qual são conhecidas regionalmente as churras-da-terra-quente), este ano estão inscritas 1992 e 12.896, respectivamente. O único caso de sucesso será a recuperação da churra-do-campo, classificada como extinta no relatório de 2004. No entanto, nunca deixou de ser a raça com o menor número de ovinos.

Para Sónia Martins, “isto significa que as políticas agrícolas demonstraram ser um fracasso”. “Contudo, o PEPAC continua o mesmo modelo.” Para a secretária técnica da Badana, o criador deveria poder escolher entre um programa de apoio à conservação da raça e outro de melhoramento genético, sendo pago “em função das exigências” de cada um. Alega que a burocracia e as regras associadas aos registos genealógicos, incluindo testes de ADN para determinar quem é o pai e a mãe de cada borrego, estão a afastar os criadores, uma vez que tomam muito tempo e, por vezes, exigem alterações nos procedimentos ou infra-estruturas adequadas. Defende que os modelos de financiamento dos criadores e das associações também deveriam estar em maior sintonia, com apoios adicionais ao criador por cada registo, de modo a valorizar e incentivar quem colabora com o livro genealógico. Ou criar um apoio à recria. “O que é mais importante: fazer melhoramento genético ou manter e até promover o aumento da raça?”

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Uma questão de rentabilidade

Para Ricardo Estrela, “despejar dinheiro para cima destas raças não tem resultado”. “Só há uma maneira de inverter isto: é pôr o produtor a ganhar mais dinheiro do que ganha com as raças convencionais.” Para tal, é necessário “diferenciar e valorizar o produto”, defende, embora assuma que “não tem sido fácil”. A ideia passa por criar valor acrescentado associado às próprias raças autóctones e não tanto apostar em certificações ligadas ao território, como a Denominação de Origem Protegida ou a Indicação Geográfica Protegida. No caso do Borrego da Beira Baixa IGP, a certificação não tem sido vista como uma mais-valia: há vários anos que a Escola Superior Agrária abate e certifica um número mínimo de animais para que não desapareça, exemplifica Carlos Andrade.

O primeiro passo é a divulgação, defende Ricardo. “Temos de dizer ao consumidor dos grandes centros, e que está disposto a pagar por isso, que há um produto diferente, que teve outro tipo de alimentação, de maneio, que é melhor e mais caro.” Enquanto o borrego churra-do-campo “pastou e mamou na mãe”, a maioria que se vê à venda nos supermercados “só bebeu leite artificial, não apanhou sol nem chuva, não correu no campo nem teve a qualidade e bem-estar animal que este tipo de explorações e de maneio permitem”, compara. O resultado é uma carne “mais saborosa, tenra e suculenta”.

“Em Portugal, acho que estamos muito mal habituados. Estamos sempre à espera que os outros façam as coisas por nós, que o Estado faça”, critica Carlos Andrade. “Tem de haver um dinamismo próprio.” Na Herdade do Vale Feitoso, está a ser criada uma marca associada à churra-do-campo, com uma ovelha mascote e destaque na nova página oficial da empresa. “Há vontade de ter uma queijaria e certamente vamos avançar com o projecto”, revela Ricardo. Já na Ovibeira, a Associação de Produtores Agro-pecuários presidida por Ricardo Estrela, e que entre outras funções gere o Livro Genealógico do Merino-da-Beira-Baixa, estão a ser desenvolvidos chapéus feitos com a lã destas ovelhas.

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No caminho entre explorações, vemos lã abandonada nos campos. É ilegal, mas alguns criadores preferem arriscar do que somar aos custos de produção o pagamento da recolha. Nestas imagens, Rosa Pomar, que começou a explorar a lã das raças autóctones portuguesas há mais de uma década para criar fios de tricot
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No final do ano passado, nasceu a Associação Nacional de Criadores da Raça Ovina Churra do Campo (ANCROCC). “Precisávamos de ter uma associação focada em defender os direitos da raça e os nossos interesses”, resume Ricardo. A entidade passa também a gerir o livro genealógico, entregue desde a sua criação à Meimoacoop, mas o principal objectivo passa por “divulgar ao máximo para depois valorizar”, nomeadamente através de um vídeo promocional sobre a história da raça. “Notamos que tem sido um esquecimento tão grande que nem a população local conhece a churra-do-campo. Esse vídeo vai começar na Escola Secundária de Penamacor, solar de origem da raça, e o nosso objectivo é fazê-lo chegar o mais longe possível.”

“Pode desaparecer a qualquer altura”

A meta é “tornar a raça mais atractiva financeiramente”. “Acreditamos que se não houver um atractivo financeiro, de viabilidade [económica], corremos um sério risco de desaparecimento das raças e, mais grave, das pessoas”, defende Ricardo, lembrando que “o facto de não se conseguir ganhar dinheiro com o território do mundo rural” tem levado à “desertificação” do interior do país.

Os apoios à preservação das raças autóctones são insuficientes, mas sem eles é o fim. No caso da churra-badana, Sónia é taxativa: “Só sobrevive se o subsídio for atractivo.” Com os custos de produção a subirem mais do que o valor pago pelo Estado, há muitos criadores a fazerem contas. “Estava na ideia de criar mais, tenho-as lá marcadas, mas quando forem as festas [de Verão], vendo-as bem vendidas”, lamenta Almerindo, contemplando a hipótese de parar a criação e começar a vender o rebanho num prazo de um ano. “Se calhar, poderei ter 40 ou 50 para me limparem o terreno à volta de casa e para ter cordeiros para comer”, diz. “Gostava de fazer alguma coisa para que não acabasse esta raça, mas também não posso andar a trabalhar, a fazer sacrifícios, se não tiver rendimento...”

Apesar dos sinais positivos, também a churra-do-campo pode voltar a desaparecer “a qualquer altura”, diz Carlos Andrade. Este ano, “vão oito carneiros para recolha de sémen” para ser congelado e preservado no Banco Português de Germoplasma Animal (BPGA). Na Badana, nunca foram feitas colheitas. “Se deixar de haver ajudas, as raças desaparecem quase todas”, sublinha Carlos. “Aquilo que é dado às raças autóctones, no fundo, é uma compensação à perda de rendimento por terem estes animais [em detrimento de outros]. Se não, porque hão-de estar a forçar? Se é por gosto aos animais, têm meia dúzia, não 200 ou 300”, lembra o técnico.

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A churra-do-campo pode voltar a desaparecer “a qualquer altura”, diz Carlos Andrade

Rebanhos pequenos, no entanto, tanto dificultam o trabalho das associações como o aumento do número de animais ou a resolução dos problemas ligados à consanguinidade. Ter a maioria do efectivo numa única exploração também “pode ser problemático”, acrescenta. No caso da churra-do-campo, a situação tem-se resolvido. Há uns anos, o maior rebanho saiu da autarquia de Penamacor para a Fundação Pina Ferraz. Agora, passou para a Herdade do Vale Feitoso. “Tivemos a sorte de encontrar um proprietário que quer desenvolver um projecto sustentável, que tem dinheiro e que conseguiu abraçar este projecto, senti-lo também como dele”, aponta Ricardo. “Se fosse um investidor puro, a olhar só para a rentabilidade económica, nunca compraria churras-do-campo.”

É importante protegê-las da extinção?

Para percebermos a mais-valia destas raças, regressamos aos cerros áridos onde encontrámos a churra-do-campo. “É um património genético que foi desenvolvido ao longo de centenas de anos e estão muito bem adaptadas à região. Conseguem tirar um proveito máximo das nossas pastagens e dos nossos recursos, uma coisa que, infelizmente, não tem pesado”, resume Ricardo. São raças rústicas, de uma “resiliência enorme” a “doenças, problemas de partos, alimentação”.

Subimos a Trás-os-Montes para um exemplo prático: “Tenho uma propriedade onde gastei 500 litros de gasóleo a limpar”, conta Almerindo. Desde que tem as badanas, nunca mais foi preciso levar o tractor, e como vão pastando até aos diferentes terrenos, existem “quatro caminhos principais na aldeia” onde “a junta não precisa de gastar um tostão”. Não só “se aguentam mesmo que haja pouca comida e de fraca qualidade”, mas também “aproveitam muito mais os subprodutos da exploração”, como giestas, restolhos, rama de oliveiras, de amieiros e carvalhos, aponta Sónia. “Agarram-se a tudo...”

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Em Guribanes, o rebanho de 150 churras-badana de Francisco Ferreira pastam num dos terrenos perto de uma ribeira

As raças exóticas não estão adaptadas a este tipo de terrenos, não comem aquilo que cresce neles. É preciso importar quase todo o alimento, lembram técnicos e criadores. “Tínhamos de ter aqui uns pavilhões fechadinhos, aclimatizados, onde estavam a comer farinha na manjedoura, sossegadinhas, para não perderem muita energia”, compara Ricardo. “Para produzirem àquele nível, têm de comer muito e não podem andar...”, acrescenta Carlos. “Quem tem uma exploração extensiva e opta por uma raça dessas, abandona parte da exploração.”

Para Ricardo, “não há outra forma de ocupar o território no interior do país, com estas características, com solos desta pobreza, que não seja através do pastoreio com animais”. “Não podemos fazer milho, batata, feijão, pomares.” São a única forma de “tirar algum rendimento” destes terrenos, defende. Em Vale Feitoso, os rebanhos de churra-do-campo e merino-da-beira-baixa fazem parte “de um plano de recuperação” dos solos para pastagens, integrado num projecto que pretende ser “um exemplo de gestão sustentável”. “A ideia aqui é aumentar o pH [do solo] com a matéria orgânica dos animais, com calcário, destruir tudo [matos], mas não mexer no solo, porque, quanto mais mobilizamos, mais árido fica”, aponta Ricardo.

Carlos lembra ainda a problemática dos incêndios. “O que está maioritariamente ocupado por aquilo a que chamamos mato estaria ocupado pela produção animal e evitavam-se muitos fogos, porque estava mais limpo”, aponta. “Se não tivermos raças autóctones, haverá muito mais terrenos abandonados.” Ricardo acrescenta a questão das alterações climáticas, lembrando que, “se um dia estivermos em condições extremas”, “não vamos ter nenhuma raça que consiga suportar o que estas suportam”. “Há um perigo muito grande de se perder muita resiliência e muito património genético.”

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2022 foi um ano com menos ovelhas prenhas e borregos para vender: “Uma miséria comparativamente com 2021, menos 50%”, lamenta Francisco Ferreira, criador de churra-badana

Lã passou de maior rendimento a despesa

Em tempos idos, a lã era a principal fonte de receita de uma ovelha. “Tinha uma importância de tal ordem que a designação das raças é feita tendo em conta o tipo de lã: churra porque a lã é mesmo grossa, bordaleira porque é meio encaracolada”, recorda Sónia Martins. Quando a secretária técnica começou a trabalhar na associação, em 2004, ainda “a tosquia era uma festa”. O valor pago pela lã já não era a principal fonte de rendimento dos criadores, mas ainda era o suficiente para pagar o trabalho dos tosquiadores e o almoço de convívio daquele dia.

“Depois passou a não compensar, mas os criadores preferiam receber menos e ver-se livres da lã. Até que chegámos a um ponto em que os tosquiadores nem sequer a querem levar ou cobram [por esse serviço].” Almerindo chegou a vendê-la por “40 ou 50 euros”. Não chegava sequer para pagar os sacos onde ia armazenada. No caminho entre explorações, vemos lã abandonada nos campos. É ilegal, mas alguns criadores preferem arriscar do que somar aos custos de produção o pagamento da recolha e do correcto descarte deste subproduto da agro-pecuária.

Desde 2015 que Francisco não consegue vender a lã, à excepção de alguns velos para a produção dos tapetes de Fátima Gomes, tecedeira em Lamas de Orelhão. “Nasci no tear”, gosta de contar. “A minha mãe estava grávida de mim, estava a tecer e saiu do tear para eu nascer. Logo aí eu tinha de ser tecedeira.” Nessa altura, a lã já chegava lavada e as mulheres tinham de cardar, fiar e tecer. Produziam-se sobretudo tapetes e cobertores. “Eu é que depois comecei a andar por aí, a perguntar aos pastores, a lavar...” Só há uns anos é que Fátima começou a levá-las ao lavadouro da Guarda, um dos últimos em funcionamento em Portugal.

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“Gosto mais de trabalhar a churra-badana. É uma lã maior, talvez mais adaptada ao trabalho que faço”, conta. Aqui só se usavam lãs das raças da região. “A merina tinha de vir de Bragança”, recorda. Ainda hoje, nos tapetes de Fátima não existem cores garridas nem tingimentos para deixar sobressair e valorizar os tons naturais. Para inovar, criou um fio muito grosso que ajeita manualmente no tear para ir formando pequenas bolas de lã que dão uma textura diferente e única aos tapetes que vende sobretudo para o estrangeiro.

Há dois anos, Rosa Pomar veio pela primeira vez assistir à tosquia de um rebanho de churra-badana. “Só levámos lã do Francisco, uma quantidade muito pequenina para experimentar. Depois fizemos um lote com o dobro do tamanho em 2022 e agora, se tudo correr bem, vamos trabalhar três rebanhos.” Proprietária da Retrosaria, em Lisboa, e autora do livro Malhas Portuguesas – História e Prática do Tricot em Portugal, Rosa Pomar começou a explorar a lã das raças autóctones portuguesas há mais de uma década para criar fios de tricot.

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A artesã, investigadora e empresária Rosa Pomar, em Mirandela, um dos concelhos onde ainda há rebanhos de churra-badana

“Comecei por trabalhar a [raça] serra-da-estrela, depois a merino. Depois fui para a campaniça, a saloia... a badana era uma raça sobre a qual tinha lido e tinha a ideia de que tinha sido no passado uma lã muito boa.” Mais rústica e áspera, é misturada com lã de outras raças autóctones para produzir um fio mais suave, que pode ser utilizado para tricotar gorros ou casacos, por exemplo.

Para apoiar a raça, Rosa criou ainda um emblema, cujo valor reverte na totalidade para a associação de criadores. “Se agora houvesse uma saída para a lã, era mais um motivo para se comprar badanas”, reconhece Sónia, lembrando que a iniciativa “também ajudou a desmistificar um bocadinho a ideia de que a lã churra não dá para nada...”.

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Emblema churra-badana criado pela loja Retrosaria, em Lisboa Retrosaria
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Novelo feito com lã da ovelha churra-badana Retrosaria