Manuel Clemente afasta suspensão de padres sem “factos comprovados”
Cardeal-patriarca de Lisboa salientou que Portugal é “um país de lei”, descartando suspensões. Afastar os padres só poderá acontecer quando existirem “factos comprovados e sujeitos a contraditório”.
O cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, afastou este domingo a suspensão de alegados padres abusadores de menores sem que haja "factos comprovados, sujeitos a contraditório" e um processo canónico feito pela Santa Sé. Em declarações à RTP, SIC e Rádio Renascença após a procissão do Senhor dos Passos, em Lisboa, Manuel Clemente salientou que Portugal é um "país de lei e qualquer pessoa que seja acusada tem de saber do que é que é acusada".
"Aquilo que nos foi entregue pela Comissão Independente foi uma lista de nomes. Se essa lista de nomes for preenchida por factos, tanto nós como as autoridades civis podemos actuar. [...] Da parte da Igreja, estamos completamente disponíveis para procurar a resolução deste problema, em colaboração, claro está, com as entidades civis e canónicas", afirmou o cardeal-patriarca de Lisboa.
Questionado se a resolução do problema pode passar pela suspensão imediata dos alegados padres abusadores de menores, Manuel Clemente respondeu: "Essa é uma pena muito grave, é a mais grave que a Santa Sé poderá dar e é a Santa Sé que a poderá dar". "Se nós tivermos factos, e factos comprovados e sujeitos a contraditório, claro – nós estamos num país de direito e de leis – só pode ser feita pela Santa Sé, não é uma coisa que um bispo possa fazer por si", referiu.
Interrogado sobre se os padres em questão não podem ser suspensos preventivamente, o cardeal-patriarca de Lisboa voltou a descartar esse cenário, referindo que "não pode ser porque é sujeito a contraditório". "A suspensão é uma pena, como disse, muito grave, que só pode ser dada pela Santa Sé depois de um processo canónico. Na lei civil, todos os casos são do conhecimento do Ministério Público e o Ministério Público actua conforme a lei e nós cá estamos para colaborar", disse.
Confrontado com as declarações do bispo emérito das Forças Armadas – que, em entrevista à RTP, defendeu a suspensão preventiva de alegados padres abusadores de menores e considerou que os bispos que encobriram esses casos "não servem para o lugar que ocupam" –, Manuel Clemente referiu que "essas palavras são de quem as proferiu". "Eu não sei se há esses casos. Se houver esses casos, têm de ser tratados como tais e atendendo a um facto: a legislação actual não é a legislação de há dez anos, nem civil, nem canónica. E muito menos de há 20 e de há 30", referiu.
Segundo o cardeal-patriarca de Lisboa, "muitos dos casos em apreço" são de "há 50, 60, de há muitos anos", numa altura em que "a legislação não era nada disto, nem sequer era crime público, nem era um crime contra as pessoas, eram meros atentados ao pudor que eram tratados com boas palavras". "A gente tem de situar isto em cada momento que aconteceu. Agora, tudo o que tiver de ser feito vai ser feito. Nós somos os primeiros interessados em resolver o assunto", sublinhou.
Manuel Clemente assegurou que a Igreja irá fazer "tudo aquilo" que puder de acordo com a lei. "Nós não podemos inventar a lei, nem a civil, nem a canónica. Tudo aquilo que puder ser feito segundo a lei, será feito segundo a lei. Mas não nos peçam outra coisa, que também não poderíamos ser mais... Agora, disto podem ter a certeza: nós somos os primeiros interessados em resolver o assunto", disse.
Interrogado sobre se considera que o memorial para as vítimas dos abusos sexuais, que será apresentado durante a Jornada Mundial da Juventude, é suficiente, Manuel Clemente respondeu: "A única coisa que é suficiente é nunca mais haver coisas destas". "É isso que nós queremos, porque só um caso já era demais. Isso é que é suficiente e bastante", disse.
Nestas declarações, Manuel Clemente foi ainda questionado sobre que medidas é que o Patriarcado de Lisboa vai tomar esta semana, depois de o bispo auxiliar de Lisboa Américo Aguiar ter anunciado que vão ser dados novos passos e que haverá "tolerância zero" com alegados padres abusadores de menores.
Na resposta, o cardeal-patriarca de Lisboa referiu que as conclusões que vão ser tomadas “vão na linha daquelas que também foram ditas na assembleia plenária dos bispos, ou seja, reforçar o papel das comissões diocesanas, possivelmente equipá-las ainda mais, também a coordenação nacional, […] até foi previsto que ela fosse alargada, com equipa de gente especializada nestes assuntos”.
“Portanto, tudo o que vá nesse sentido preventivo – porque é basicamente disso que se trata – nós iremos fazer. O resto, é feito segundo a lei”, disse.
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica validou 512 dos 564 testemunhos recebidos, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4815. Vinte e cinco casos foram reportados ao Ministério Público, que deram origem à abertura de 15 inquéritos, dos quais nove foram já arquivados, permanecendo seis em investigação. Estes testemunhos referem-se a casos ocorridos entre 1950 e 2022, período abrangido pelo trabalho da comissão.
Patriarcado de Lisboa promete agir com “tolerância zero”
O bispo auxiliar de Lisboa Américo Aguiar, prometeu este domingo que o Patriarcado de Lisboa vai agir com "tolerância zero" perante alegados padres abusadores de menores, conforme o "grito do Papa Francisco", e indicou que serão anunciadas medidas esta semana. "A transparência total e a tolerância zero é o grito do Papa Francisco e, naquilo que diz respeito ao Patriarcado de Lisboa, nos próximos dias vamos agir em conformidade com isso", declarou Américo Aguiar em declarações à RTP e à Rádio Renascença durante a procissão do Senhor dos Passos, em Lisboa.
Américo Aguiar, que é também coordenador da Comissão Diocesana de Protecção de Menores e Adultos Vulneráveis do Patriarcado de Lisboa, disse que "cada pessoa será colocada mediante aquilo que o quadro legal, civil e canónico a coloca" e sublinhou que, para o Patriarcado de Lisboa, "a prioridade são as vítimas e o seu sofrimento". "O sofrimento das vítimas, o acompanhamento das mesmas e de cada uma, para nós tem um lugar principal e prioritário nas nossas acções e, nos próximos dias, o Patriarcado de Lisboa vai partilhar com todos aquilo que vai fazer", sublinhou, acrescentando que essas medidas vão ser anunciadas "durante esta semana".
O bispo auxiliar de Lisboa referiu ainda que não conhece os nomes que constam na lista de alegados padres abusadores de menores – entregue na sexta-feira pela Comissão Independente à Conferência Episcopal Portuguesa –, mas garantiu que será comunicada às autoridades. "Nos próximos dias, a Comissão Diocesana, o senhor patriarca e o Ministério Público vão trabalhar em conjunto. Nós vamos fazer a entrega dessa mesma lista, quer à Comissão Diocesana, quer ao Ministério Público", disse.