No início de Dezembro, Sarah Burnham e o marido, Mateus Oliveira, regressaram de um passeio com o cão para descobrirem que estavam 'fechados' fora de casa — uma situação particularmente desconcertante, uma vez que raramente se preocupam com a segurança na pequena cidade no estado norte-americano do Maine. "Houve uns minutos em que pensamos: 'Como é que isto aconteceu?'", recorda a mulher.
Felizmente para Sarah, que cresceu naquela casa, havia um truque para entrar sem chave. Entrou com o marido por uma porta de tela que dá acesso ao alpendre das traseiras e depois subiram por uma janela. Quando chegaram ao interior, encontraram o culpado: Arsène, o gato da raça Maine Coon-mix, que recebeu este nome em homenagem ao ladrão francês dos livros de ficção Arsène Lupin. Enquanto estiveram fora, o felino aparentemente descobriu como chegar à porta e trancá-la.
No entanto, esta não foi a única vez em que Arsène provou ser terrivelmente habilidoso. Numa outra ocasião, trancou-se no quarto e fez com que Sarah e Mateus passassem uma hora e meia a desmontar a maçaneta da porta para o libertarem. "Eles são frustrantemente inteligentes", salienta a dona, que tem quatro gatos (Arsène, no entanto, é a única razão pela qual instalou maçanetas à prova de crianças por toda a casa).
Segundo especialistas em comportamento felino, os gatos provocam o caos em casa porque são caçadores e exploradores naturais. Na grande maioria das vezes, esses instintos resultam em artimanhas praticamente inofensivas, que incluem ficar preso no cesto da roupa suja ou derrubar um copo de água.
No entanto, alguns gatos ultrapassam estes disparates de amadores para viverem no limite: roubam comida de dentro dos armários, mordem plantas tóxicas, trepam vedações e, sim, trancam e abrem portas. Os sortudos dos donos dizem que manter tanto os animais como as casas em segurança é parecido com ficar um passo à frente de uma criança muito ágil.
Há alguns meses em Sheridan, Wyoming, Brittany Schiesl ouviu um barulho na cozinha e entrou para descobrir que o gato Bentley tinha arrombado o microondas onde estavam algumas fatias de pizza. "O Bentley estava no chão a comer as sobras", recorda. A par disto, também tinha chamado a atenção dos outros quatro gatos que se tinham reunido na cozinha para avaliar os estragos dos esforços do animal: "Os outros andavam à volta dele como se ele fosse o líder", acrescenta.
Desde então, Brittany instalou uma fechadura à prova de crianças no electrodoméstico, mas o gato, que a dona acredita ser uma mistura de siamês, não desistiu de tentar voltar a entrar, como mostra um vídeo que partilhou no TikTok e que se tornou viral. A tutora acredita que parte do interesse de Bentley pela comida está relacionada com o facto de ele ter vivido na rua antes de ter ido parar a sua casa. "Sobreviveu muito tempo sem saber quando seria a próxima refeição", afirma. Como resultado, defende, é provável que o felino pense que "tem de comer tudo o que puder”.
Estas situações também são familiares para Sarah, tendo em conta que Arsène não está só interessado em portas — ele e Leo, um dos outros gatos, são também especialistas em abrir os armários da cozinha para petiscarem, ao ponto de Sarah ter de colocar fechaduras à prova de crianças. Como Arsène e Leo nem sempre tiveram acesso seguro a comida, a dona acredita que comer é uma fonte de ansiedade para ambos.
Segundo Jackson Galaxy, especialista em comportamento felino e apresentador do programa My Cat From Hell, do canal Animal Planet, os gatos, tal como os humanos, vão pegar no que aprenderam com experiências anteriores de superar obstáculos e "aplicar essa aprendizagem para o resto da vida". Desta forma, explica, se o animal tiver vivido na rua, garantir alimentos e abrigo teria sido fundamental, e pode explicar a obsessão por comida ou a procura por esconderijos de difícil acesso.
O cardiologista veterinário Bruce Kornreich, director do Centro de Saúde Felina da Universidade de Cornell, completa que estes animais só foram domesticados nos últimos milhares de anos — com estimativas que variam entre os quatro mil e os 9500 anos —, o que é bastante recente no que diz respeito à evolução. Para o veterinário, ter um gato é "quase como ter um animal selvagem em casa".
Pixel, o gato malhado de Phoebe Cheong, mostrou o lado selvagem pouco depois de se ter mudado para um apartamento repleto de plantas em Miami. Um dia, a dona chegou a casa, sentiu o cheiro a fezes e depois encontrou Pixel a brincar com um cacto que tinha desenterrado de um vaso. Além disto, o animal defecou no sítio onde a planta tinha estado. Troca justa? Phoebe não pensou assim. No entanto, deixou passar.
A dona acredita que o gato vivia na rua antes de ser adoptado, "por isso cavar terra provavelmente fazia parte do ambiente natural onde estava". Mas quando o animal foi viver consigo para Brooklyn, Phoebe começou a pensar em formas de proteger as plantas do felino. Substituí-las é dispendioso, além disso várias plantas que estão nas casas, como é o caso dos lírios, são tóxicas para os gatos.
Nas redes sociais e no blog Welcome to the Jungle Home (Bem-vindo à Casa da Selva, em tradução livre), a tutora partilha tácticas para ajudar gatos e plantas a viverem em harmonia. Eis uma dica: colocar cascas de citrinos no chão, já que o cheiro é bastante desagradável para os felinos. Pôr pedras em cima da terra também pode dissuadir os gatos de esgravatarem na terra. Phoebe pendura as plantas de que mais gosta e que são mais caras no tecto, embora note que, por vezes, os animais se atiram a elas como se fossem brinquedos, e cultiva erva gateira na varanda para que Pixel e os dois irmãos, Terracotta e Aquiles, tenham uma alternativa não tóxica para mastigar.
No entanto, no final, explica que "só podes jogar na defensiva, por isso, se tiveres alguma dúvida de que consegues manter os teus gatos longe das tuas plantas, terás de renunciar a certas variedades tóxicas".
Quando Phoebe dá conselhos a quem tem gatos sobre a melhor forma de adaptar a casa para estes animais, diz que "os gatos são como crianças pequenas que podem chegar ao tecto" e recomenda a suposição de que estes animais podem chegar onde quiserem se forem suficientemente determinados.
Existem vários produtos no mercado que podem ser utilizados para proteger uma casa e torná-la à prova de gatos, desde logo protectores de cordas, que a tutora diz serem eficazes para evitar que os felinos mordam os fios eléctricos. A par disto, os bloqueadores criados para impedir que os brinquedos fiquem debaixo de sofás também os podem dissuadir de se esconderem nestes locais, e a fita adesiva pode ser utilizada para fixar objectos nas prateleiras ou na lareira.
O veterinário Kornreich sugere também que os donos que têm gatos muito activos podem pensar em colocar um catio no exterior, se tiverem espaço, uma vez que estas estruturas vedadas permitem que os animais observem aves e a natureza em segurança.
Chanel Driscoll Rosenberg foi mais longe e protegeu todo o quintal da casa em Fort Smith, Arca, depois de pesquisar "vedação à prova de gato" no Pinterest. Fixou redes à volta do perímetro da vedação para ficar com mais altura usando suportes em L, um berbequim e uma pistola de agrafar. Depois acrescentou poleiros para que os gatos pudessem saltar para diferentes níveis.
Segundo Chanel, com todos estes materiais, o projecto custou algumas centenas de dólares e permitiu aos felinos mais liberdade para explorarem. "Não sei de mais ninguém que tenha feito isto ou que se tenha esforçado ao máximo como eu fiz pelos meus gatos", afirma.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post