Um terço das pessoas com VIH adia tratamento por causa do estigma

Discriminação de pessoas com VIH diminuiu em Portugal na última década, mas agravou-se o incumprimento da confidencialidade de registos médicos.

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Análise de sangue para rastreio de VIH/sida Rodrigo Garrido

Quatro em cada dez pessoas que vivem com VIH já foram alvo de algum tipo de discriminação social: esta é uma das conclusões do Stigma Index, estudo divulgado esta quarta-feira em Lisboa.

O Índice do Estigma das Pessoas que Vivem com VIH (Stigma Index) é um projecto internacional aplicado pela primeira vez em Portugal em 2013 e replicado em 2021/2022 pelo Centro Anti-Discriminação VIH (projecto conjunto da Associação Portuguesa para a Prevenção e Desafio à Sida - Ser+ e o Grupo de Activistas em Tratamento - GAT), com financiamento da Direcção-Geral da Saúde e parceria com a Escola Nacional de Saúde Pública.

O estudo, em que participaram 1095 pessoas infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH), das regiões de Lisboa, Porto, Coimbra e Faro, realça como aspectos que parecem ter piorado desde 2013 a confidencialidade dos registos médicos e a actuação perante situações de discriminação.

Relativamente à decisão de fazer o teste, observou-se “um pequeno aumento” na percentagem de inquiridos que diz fazê-lo voluntariamente, de 51,3% em 2013 para 53,9% em 2021. Mas o aumento “é ainda mais substancial” nos que referem que lhes foi feito o teste sem o seu conhecimento, subindo de 21,9% para 29,7%.

O director executivo do GAT, Ricardo Fernandes, disse à Lusa que, quanto à realização do teste sem o conhecimento dos visados, o inquérito não averiguou em que contexto foram feitos esses testes, mas considerou que surgem em situações como exames pré cirúrgicos e também em exames de rotina prescritos por médicos de família.

Ricardo Fernandes considerou que esta situação é "gravíssima", tendo em conta que o médico tem de justificar a prescrição deste rastreio.

Um terço dos inquiridos adiou ou evitou receber tratamento para o vírus que provoca a sida por razões relacionadas com estigma e discriminação e 22% reportaram alguma situação de discriminação nos últimos 12 meses por parte de profissionais de saúde, sendo mais frequente a sua ocorrência em serviços de saúde não relacionados com o VIH (16%).

“Quando analisados apenas os itens comparáveis entre 2013 e 2021 verifica-se que houve uma diminuição nas pessoas que experienciaram essas situações nos últimos 12 meses (de 11% para 7%)”, aponta o estudo, que assinala o dia da Discriminação Zero.

O incumprimento da confidencialidade aumentou de 5,3% para 9,5%, com os inquiridos a referirem que os seus registos médicos não são mantidos confidenciais, refere o estudo, que contou com a colaboração de dez centros hospitalares e 18 organizações de base comunitária.

No último ano, 8,5% dos inquiridos revelaram ter sido alvo de algum tipo de discriminação social, sendo as situações mais relatadas os comentários discriminatórios e agressão verbal, quando em 2013 eram 29%, e 3,5% dizem já ter sofrido alguma situação de violação dos seus direitos.

A grande maioria (90,5%) identificou manifestações de estigma interno e 30% algum comportamento de auto-discriminação nos últimos doze meses, valores que baixaram face a 2013, estando estas questões mais presentes nos imigrantes, trabalhadores sexuais, pessoas trans e nas mulheres.

Analisando o “estigma e discriminação por motivos não relacionados com o VIH”, o estudo revela que as pessoas trans, utilizadores de drogas e homens que fazem sexo com homens são as que mais referem ser alvo de discriminação, com 88%, 77% e 65%, respectivamente.

“Apesar de os resultados deste estudo parecerem indiciar uma evolução favorável ao nível do estigma e da discriminação sofridos pelas pessoas que vivem com VIH nos vários contextos da sua vida, verifica-se que esta continua a ser uma questão bastante relevante em Portugal, especialmente nos serviços de saúde, atingindo desproporcionalmente pessoas pertencentes a uma ou mais populações vulneráveis, bem como mulheres”, salienta o estudo.

Ressalva ainda que os dados agora recolhidos poderão estar enviesados pela pandemia de covid-19, que provocou uma diminuição das interacções sociais nos 12 meses anteriores à aplicação do questionário, podendo ter originado um decréscimo artificial das situações de discriminação.

O relatório faz um conjunto de recomendações ao Parlamento, ao Governo e às organizações não-governamentais que actuam nesta área a nível legislativo e de estratégias de intervenção, como “monitorizar, acompanhar e actuar perante situações de estigma e discriminação no âmbito da infecção VIH” ou “assegurar o direito à saúde sexual e reprodutiva sem discriminação”.