Patrice Trovoada: “Confirma-se que houve uma tentativa de golpe de Estado”

É essa a conclusão da investigação aos acontecimentos de 25 de Novembro, que contaram com a ajuda da PJ e do Ministério Público portugueses, diz o primeiro-ministro de São Tomé e Príncipe.

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Patrice Trovoada rejeita que Delfim Neves tenha sido ilibado no caso do ataque ao quartel: "Algumas declarações, algumas denúncias não chegaram a ter a qualidade que se impõe" ESTELA SILVA/LUSA

Patrice Trovoada não está convencido de que o ex-presidente do Parlamento de São Tomé e Príncipe nada tenha que ver com o assalto ao quartel do Morro, em São Tomé, a 25 de Novembro. A acusação do Ministério Público são-tomense, que teve assistência da Polícia Judiciária e da procuradoria portuguesas, refere a “inexistência de indícios suficientes de que Delfim Neves tenha sido o autor moral ou instigador” do ataque, mas o primeiro-ministro diz que não foi constituído arguido porque o “rigor do direito” permitiu que o seu adversário político tivesse “beneficiado” com o arquivamento.

“Contrariamente a declarações de alguns sectores, confirma-se que houve uma tentativa de golpe de Estado, de alteração violenta de golpe de Estado”, disse o chefe do Governo são-tomense, em Lisboa, à margem da conferência sobre A Democracia em África, da Internacional Democrata do Centro, em Lisboa. Não se confirma, no entanto, que Delfim Neves, terceiro mais votado na corrida presidencial de 2021, “tenha sido o autor moral ou instigador dos crimes em investigação”, como se escreve na acusação, citada pela Lusa.

Lembrando que “a justiça em São Tomé e Príncipe é independente” e, nessa matéria, “não há imiscuição do Governo”, Patrice Trovoada justifica que Neves, que foi detido na manhã do golpe e que esteve assim três dias, antes de ser libertado, só não foi acusado por falta de qualidade das acusações.

“O rigor do direito, num caso tão grave”, explicou o primeiro-ministro, levou a que “algumas declarações, algumas denúncias não chegaram a ter a qualidade que se impõe” para abrir um processo contra o seu adversário. Foi isso que permitiu, “no caso particular do Delfim Neves” e sobre “o envolvimento no golpe de Estado”, que ele tenha “beneficiado com o arquivamento”.

Há “um facto que não podemos agora reverter”, disse Patrice Trovoada, ou seja, que “quatro testemunhas importantes” foram mortas logo no dia, quando estavam sob guarda dos militares – investigação ainda não concluída.

“Quando há uma dúvida, é normal que o réu beneficie da dúvida”, acrescentou o chefe do Governo são-tomense, introduzindo assim a dúvida na conclusão a que chegou o MP.

O ex-presidente da Assembleia Nacional são-tomense, entretanto, já apresentou uma queixa na justiça contra o primeiro-ministro por difamação, devido ao facto de este o ter identificado como mandante do ataque ao quartel.

Segundo a queixa, a que a Lusa teve acesso, Trovoada “apresentou-se em imagem televisiva para os são-tomenses e para a população estrangeira, residente e internacional, imputando a autoria, como financiador directo, do que descreveu como tentativa de golpe de Estado, à pessoa de Delfim Santiago das Neves”.

A defesa do ex-presidente do Parlamento sublinha que “as declarações de Patrice Trovoada causaram alarme social e perturbaram gravemente o queixoso, bem como os seus familiares, amigos e conhecidos. Tais expressões são objectivamente ofensivas da honra e consideração social do queixoso, imputando-lhe factos que não são verdadeiros, apesar de serem de grave natureza criminal”.

Talvez, por isso, à pergunta do PÚBLICO, se continuava a considerar Delfim Neves como o homem por trás do ataque (que acabou com a morte de três dos quatro atacantes ao quartel e de Arlécio Costa, antigo combatente do batalhão Búfalo da África do Sul, detido em sua casa), Patrice Trovoada tenha preferido afirmar: “Toda a gente entendeu aquilo que eu quis dizer.”

É preciso “aguardar a segunda parte, o segundo inquérito, que tem a ver com os acontecimentos no quartel, mas volto a insistir, é preciso reconhecermos: há um golpe de Estado que é a causa principal de tudo o que aconteceu”, sublinhou o líder do Governo são-tomense, que falou na conferência em Lisboa sobre “Justiça e Democracia”, dando a entender que os excessos cometidos a posteriori contra os alegados envolvidos na intentona se deveram aos ânimos exaltados em relação ao crime que supostamente teriam cometido.

O inquérito, que acabou por deduzir acusação contra nove militares e um civil – sete deles por tentativa de homicídio por causa das agressões contra o tenente Marcelo da Graça no ataque ao quartel –, refere que Delfim Neves terá sido identificado pelos detidos como o financiador da operação que teria sido orquestrada por Arlécio Costa.

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