Sempre com um sorriso, Kika leva aos relvados um toque diferente das demais

Francisca Nazareth é, possivelmente, o maior talento português do futebol feminino nos últimos anos – quiçá de sempre. Fora do campo é descrita como irreverente. “O mundo numa lata de sardinhas.”

Kika celebra pela selecção nacional
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Kika celebra pela selecção nacional Reuters/DAVID ROWLAND
Kika em acção pelo Benfica
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Kika em acção pelo Benfica LUSA/Miguel A. Lopes
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ANTONIO COTRIM

Antes de qualquer leitura sobre Francisca Sousa – ou Kika Nazareth, na versão mais renomada e imponente – importa ver o vídeo em baixo.

Está visto? Pois bem, é disto que se fala quando se escreve sobre esta jogadora do Benfica. Agora, sim, com contexto dado em forma de vídeo, há condições para se abordar o mundo de Kika.

Quando a selecção feminina de futebol entra num relvado, há coisas difíceis de ignorar. Todas sob o apelido Silva, um pouco como já aconteceu na equipa masculina, saltam à vista a técnica de Jéssica, a velocidade de Diana e o critério de Dolores. Mas não é preciso olhar com especial atenção para ver que é num apelido não tão trivial que está o “ouro”. Para uma jogadora especial, um apelido especial.

Nazareth. Kika Nazareth. Na selecção nacional – e no futebol português –, é ali que está talento diferenciado.

De espírito alegre, Kika destaca-se fora do campo pelo sorriso permanente. Quem a conhece diz que não se leva demasiado a sério. A mãe chegou a dizer ao Canal 11 que o pai de Kika a descreve como “o mundo numa lata de sardinhas”.

Irreverente, ousada, irrequieta e até algo louca, no sentido imprevisível e festivo do conceito, é a pessoa que, em pleno Estádio da Luz, agarrou num microfone para liderar a celebração do bicampeonato feminino. Canta, grita e sorri – mesmo durante o jogo, como se aquilo fosse apenas diversão. E até é.

Também por isso a própria Kika já chegou a dizer que, “com 19 anos, com uma adolescência ainda por viver, se calhar é difícil conciliar” a responsabilidade do futebol com os ímpetos naturais da juventude. Até ver, tem conseguido: 17 golos e 11 assistências em 25 jogos já dizem qualquer coisa a esse respeito.

Mais passe, menos remate

Apesar de estar activo desde 1981, só na última década o futebol feminino português deu verdadeiros passos em frente.

Recebeu talento estrangeiro, mas também exportou o talento local – de Jéssica a Cláudia Neto, passando por Edite Fernandes ou Carla Couto. Se o futebol e o mercado ainda têm lógica, será Kika uma das próximas. Talvez mais proeminente do que qualquer outra, sempre sob a premissa de fazer as colegas felizes.

A própria Kika já chegou a assumir que é alguém que prefere assistir, a marcar. Prefere o passe, ao remate. Prefere dar felicidade, a ser feliz – pelo menos, em nome próprio.

No futebol masculino, partilharia esta característica com médios criativos como Xavi ou Iniesta, mas essa comparação não será totalmente justa.

Se pensarmos na selecção sub-21 que chegou à final do Euro 2015, Rui Jorge montou um 4x4x2 losango raro em selecções nacionais, mas que permitia ter Bernardo Silva como um verdadeiro 10. Na selecção feminina, Francisco Neto faz o mesmo com Kika. É uma verdadeira 10 e dificilmente outro sistema de jogo lhe assenta tão bem como este.

Kika recebe a bola de forma diferente das demais. Lê o jogo de forma diferente. Passa de forma diferente. Inventa de forma diferente. Joga por onde quer e aonde o jogo a levar. Acima disto, traça um cenário que está vedado às restantes: aquele patamar que nos leva a crer que para as outras 21 jogadoras em campo é difícil competirem e roubarem a bola àquele metro e setenta de gente.

Mas que fique claro: este texto não pretende descobrir a pólvora. Em rigor, é um texto que até já é “rebocado” por Kika e pela dimensão mediática que a jogadora tem ganhado nos últimos anos, desde que surgiu na equipa principal do Benfica, com 16 anos – o clube do qual é sócia desde o dia anterior ao seu nascimento, fenómeno contado pela mãe, sem explicação lógica para a bizarria.

O mediatismo

Em 2021, tornou-se a primeira jogadora agenciada por Jorge Mendes, o que deixou a nu a dimensão que se espera que venha a ter, até no plano do mercado de transferências – um mercado que, até ver, movimenta valores pouco relevantes comparados com a vertente masculina.

Também foi Kika quem foi convidada para participar num anúncio internacional da Nike sobre diversidade. Ou quem foi nomeada e finalista no prémio Golden Girl 2022, que acabou por não vencer. Hoje, Kika já não é uma promessa do Benfica, mas uma estrela em ascensão.

No jogo que garantiu a Portugal a presença no Mundial, a equipa perdeu-se assim que Kika foi substituída. Coincidência? Podemos dizê-lo.

Mas é difícil crer que a saída de Kika e consequente perda do critério na posse e da capacidade de dar e encontrar soluções não tenham tido impacto na forma como Portugal deixou de jogar nos últimos 20 minutos – com efeitos que poderiam ter sido bem mais graves. Kika pode ainda não ser das que têm de estar sempre em campo, mas, possivelmente, para lá caminha.

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