Enfermeiros criticam proposta sobre urgências de Obstetrícia e Ginecologia
Ordem dos Enfermeiros lamenta que estes profissionais não tenham sido incluídos no grupo que elaborou a proposta, coordenado por Diogo Ayres de Campos.
A Ordem dos Enfermeiros (OE) aponta “imprecisões, lacunas e falhas” à Rede de Referenciação Hospitalar em Obstetrícia, Ginecologia e Neonatologia, considerando grave a não inclusão destes profissionais no grupo de peritos que elaboraram a proposta.
Numa posição emitida no âmbito da consulta pública do documento, que decorre desde o início do mês, a OE lamenta o facto de o grupo de trabalho não ter incluído nenhum elemento do órgão regulador da profissão.
Esta opção, “centrada numa visão essencialmente médica”, não permite “a integração do conhecimento e experiência do maior grupo profissional da saúde presente nos serviços em causa” e “conduz às graves lacunas identificadas no documento”, considera a OE, sublinhando que a elaboração de “um documento estruturante” para o sistema de saúde sem a inclusão da Ordem dos Enfermeiros e dos colégios da especialidade em enfermagem competentes “reduz, condiciona e cria um importante viés quanto ao objectivo traçado”.
A OE diz que o documento, elaborado pelo grupo de trabalho coordenado pelo médico Diogo Ayres de Campos, director do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Santa Maria, apresenta “uma visão redutora” dos enfermeiros e dos Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica (EEESMO) e Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica (EEESIP).
“A não inclusão de enfermeiros é particularmente grave e resulta em imprecisões, lacunas e falhas no que se refere à identificação das necessidades, dotações e implicações relativamente aos cuidados de enfermagem, cruciais na disponibilização da adequada resposta às necessidades de saúde das mulheres, filhos e famílias”, considera-se no documento.
Na posição tomada, a que a Lusa teve acesso, a OE considera que, enquanto regulador da profissão, é a ela que compete pronunciar-se sobre “a determinação dos cuidados de enfermagem, dotação, requisitos técnico-científicos e condições, incluindo a definição em termos de rácios para a sua prestação” e insiste que um grupo de trabalho constituído “à margem do regulador nacional” não pode “pronunciar-se ou determinar as questões suscitadas”.
Desta forma, sublinha que a determinação de enfermeiros vertida no documento, bem como a referência ao tempo (ETI) que se presume necessário para a prestação, “constitui uma ingerência grave” numa matéria da sua competência.
“Não pode alguém que não possui habilitação legal e profissional para o exercício da enfermagem, ou conhecimento próprio da profissão, emanar tais determinações, sob pena de impactar de forma grave na qualidade e segurança dos cuidados de saúde prestados”, frisa a OE.
Reconhece que o documento aborda a necessidade de acordar com as ordens profissionais “equipas-tipo de médicos, enfermeiros especialistas e enfermeiros generalistas para as urgências de Obstetrícia e Ginecologia/Bloco de Partos”, mas sublinha que, “na sua génese e teor”, a proposta “contraria os princípios de concordância e trabalho em equipa”.
Sobre os cuidados de enfermagem de saúde materna e obstétrica a OE aponta “a ausência a qualquer referência a consultas e outras intervenções de enfermagem pré e pós-parto”, que julga fundamentais.
“Não pode a Ordem dos Enfermeiros, face ao constatado, deixar de manifestar a sua oposição a um documento que se pretende estruturante na prestação de cuidados de saúde e no qual não-enfermeiros procuram determinar o que fazem os enfermeiros e quantos são necessários para o fazer”, acrescenta, recomendando a revisão do documento, “integrando as diferentes dimensões de enfermagem”.
Concentração de urgências obstétricas “não implica encerramentos”
As críticas dos enfermeiros surgem em reacção à proposta da Comissão de Acompanhamento da Resposta em Urgência de Ginecologia/Obstetrícia e Bloco de Partos — criada no Verão passado para encontrar soluções para a escassez de médicos especialistas nos hospitais públicos — sobre a reorganização dos serviços hospitalares de Obstetrícia e Ginecologia. O grupo de peritos defende, por sua vez, que a concentração de urgências não implicaria o encerramento de serviços, nem o fim da actividade programada.
Na proposta de Rede de Referenciação Hospitalar em Obstetrícia, Ginecologia e Neonatologia que está em consulta pública e que foi criticada pela Ordem dos Enfermeiros, os especialistas que propuseram a concentração de seis urgências de Obstetrícia e Ginecologia/Bloco de Partos nas regiões norte, centro e de Lisboa e Vale do Tejo argumentam que esta medida “não implicaria o encerramento de serviços, nem a cessação da actividade programada em obstetrícia e ginecologia nos hospitais visados”.
Admitindo que a concentração de algumas urgências de Obstetrícia e Ginecologia/Bloco de Partos “parece ser a única forma de assegurar rapidamente alguma estabilidade de resposta nesta área”, os peritos escrevem que esta concentração levaria a que as actividades relacionadas com a urgência, trabalho de parto, puerpério e cuidados neonatais “fossem deslocalizadas para outra instituição”.
No documento, explicam ainda que os profissionais de saúde dos hospitais visados precisariam de acordar com a instituição “a prestação da actividade semanal de urgência noutro local”, mas sublinham que se mantinha inalterada a restante actividade programada.
O grupo de especialistas que elaborou esta proposta, coordenado pelo médico Diogo Ayres de Campos, defende ainda que, antes de qualquer decisão de concentração de urgências de Obstetrícia e Ginecologia/Bloco de Partos, é preciso “assegurar a qualidade e a segurança dos cuidados obstétricos e neonatais nas unidades circundantes, através de visitas locais”.
“A decisão final de concentrar estes recursos necessita de ser antecedida de uma avaliação detalhada das instalações e equipamentos dos hospitais circundantes, bem como dos seus recursos humanos”, referem os peritos.