Putin diz que estamos num tempo de “mudanças irreversíveis em todo o mundo”
O Presidente russo acusou Washington de “unilateralmente” rasgar “os fundamentos que mantinham a paz mundial” e suspendeu a participação da Rússia no tratado de armas nucleares com os EUA.
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Quase um ano depois da invasão russa da Ucrânia, o Presidente russo, Vladimir Putin, foi ao Parlamento repetir os argumentos em defesa da guerra, os de que a Rússia foi em socorro da população ucraniana russófona, que a Ucrânia está “refém” do Ocidente e que a Rússia trava uma batalha existencial contra um inimigo liderado pelos Estados Unidos: “Nenhum outro país no mundo tem tantas bases no exterior.”
“Estou a fazer este discurso numa altura que todos sabemos difícil, um momento marcante para o nosso país, um tempo de mudanças irreversíveis em todo o mundo, os acontecimentos mais importantes que irão moldar o futuro do nosso país e do nosso povo, em que todos nós temos uma responsabilidade colossal”, disse o Presidente russo num discurso do estado da nação que durou cerca de 135 minutos.
Apontando o dedo às “elites do Ocidente”, que procuram “transformar um conflito local numa fase de confrontação global”, Putin sublinhou que a Rússia está a lutar pela “existência” do seu país. Como “é impossível derrotar a Rússia no campo de batalha”, aquilo que se vê são “ataques de informação cada vez mais agressivos”.
Ataques liderados por uns EUA que estão a tornar mais inseguro o mundo. “Toda a gente viu como eles se retiraram de acordos armamentistas fundamentais, incluindo o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio. Eles rasgaram unilateralmente os fundamentos que mantinham a paz mundial”, acusou o Presidente russo. E enfatizou: “Porque fizeram isso? Simplesmente porque podem.”
Perante este cenário, anunciou Putin, a Rússia suspendeu a sua participação no Novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas (Start) com os Estados Unidos, que limita o arsenal nuclear estratégico de ambos os países.
“Sou forçado a anunciar hoje que a Rússia suspende a sua participação no tratado de armas ofensivas estratégicas”, disse o Presidente aos deputados já quase no fim do seu discurso. Esta suspensão, e não retirada, como fez questão de sublinhar, faz com que os dois países, que controlam quase 90% das ogivas nucleares do planeta, deixem de ter em vigor qualquer tratado de controlo armamentista.
Neste que foi o seu primeiro discurso do estado da nação em quase dois anos, a três dias do primeiro aniversário da invasão russa da Ucrânia, a denominada “operação militar especial”, como Moscovo chamou à guerra, Vladimir Putin deixou claro que o Ministério da Defesa e a Rosatom, a empresa pública que controla o sector nuclear na Rússia, precisam agora de preparar-se para testar uma arma nuclear, caso seja necessário.
“É claro que não seremos os primeiros a fazê-lo. Mas se os Estados Unidos testarem, então também nós o faremos”, referiu. E deixou a mensagem: “Ninguém pode ter a ilusão perigosa de que a paridade estratégica global pode ser destruída.”
Com o New Start, que entrou em vigor 5 de Fevereiro de 2011 (e que precisa de ser renovado em 2026), os dois lados limitam a 1500 o número de ogivas nucleares em mísseis balísticos intercontinentais, mísseis balísticos de submarinos e bombardeios que cada um pode ter – este limite foi estabelecido em 2018, de acordo com a Reuters.
Impacto das sanções
Putin também falou das sanções económicas impostas pelo Ocidente e do seu impacto na economia russa. “Querem fazer o povo [russo] sofrer, mas as suas previsões não se materializam”, disse, garantindo que o tiro saiu ao Ocidente pela culatra, porque, “ao impor essas sanções, estão-se a punir a si mesmos”.
“Provocaram um aumento dos preços, a perda de empregos e uma crise energética. E ouvimo-los dizer às suas populações que a culpa é dos russos”, disse Putin. E sublinhou que tudo se deveu a um erro de cálculo dos aliados da Ucrânia: “A economia russa e o seu sistema de gestão mostraram que eram muito mais fortes do que o Ocidente pensava.”
“Assegurámos a estabilidade da situação económica, protegemos os cidadãos, mantivemos os empregos, evitámos escassez de mercado, incluindo de bens essenciais, apoiámos o sistema financeiro”, enumerou o chefe de Estado russo, que aproveitou ainda para deixar um recado dirigido aos empresários do país que se lamentam pelos impactos nos seus negócios dos constrangimentos impostos pelas sanções.
“Andar por aí com a mão estendida, bajulando, pedindo dinheiro, não serve de nada. Lancem novos projectos, ganhem dinheiro, invistam na Rússia. É assim que multiplicam o vosso capital e ganham o reconhecimento e a gratidão das pessoas”, aconselhou Putin. Até porque, como “os recentes acontecimentos vieram demonstrar de forma convincente” a “imagem do Ocidente como porto seguro, um refúgio para o capital, é uma ilusão, um embuste”.